Uma das bandeiras que qualquer português leva orgulhosamente ao peito é a boa gastronomia. Do polvo à lagareiro à chanfana, do arroz de pato à cabidela, da feijoada às sardinhas assadas e do leitão à francesinha, a verdade é que todos são sinónimos de comida tipicamente caseira e portuguesa.
É habitual ouvirmos, principalmente as nossas avós, de que os hábitos alimentares são muito diferentes do que eram antigamente. Pois bem, para que as tradições continuem o seu legado, é necessário existir quem as preserve e transmita, como é o caso da Confraria Gastronómica da Amadora.
Foi em outubro de 2004 — apesar de ter sido criada em maio de 2003 — que foi registada, oficialmente, a entidade que viria a promover o bom nome da culinária portuguesa na Amadora e em todos os cantos do País. Uma das provas de que as receitas mais tradicionais do concelho têm um valor incalculável está no facto do prato de coelho à porcalhota ter uma menção no livro “Os Maias”, de Eça de Queiroz, como conta Irene Pimenta, de 61 anos, à New in Amadora. Foi uma das fundadoras e presidente até 2023, passando para o cargo de secretária no ano seguinte.
Irene foi convidada, na altura, por Amílcar Martins, ex-autarca da freguesia de Mina de Água, outro dos fundadores. “Tinha estabelecimentos de hotelaria e restauração no Casal de São Brás, que eram As Delícias, O Carlos e Massamá Flor do Minho. Pensei que podia aceitar mais um desafio”, confessa.
A esta, juntaram-se cada vez mais membros, até estarem compostos os órgãos sociais e, assim, começar uma aventura que dura há 20 anos. “Tal como eu, que vim de Pampilhosa da Serra, todos os outros membros eram oriundos de outras regiões do País, à exceção de um”, revela.
A responsável sempre pertenceu a várias confrarias, sendo também fundadora da Confraria Gastronómica de Palmela e madrinha do arroz de Estarreja. O grande objetivo da confraria é mesmo a “preservação da gastronomia portuguesa” e, em grande parte, “junto dos restaurantes”.

Ao longo do ano, desenvolvem diversas atividades, desde “formação com autarquias, workshops para miúdos, jantares temáticos, promoção da gastronomia em festivais”, além de representarem o País em capítulos de outras confrarias, sendo a própria Confraria Gastronómica da Amadora madrinha de algumas.
Nos últimos anos, o grupo tem somado várias conquistas. “A Amadora foi eleita uma das cidades de Portugal para fazer sopa da pedra solidária. No dia 7 de novembro, batemos o recorde de cerca de 600 sopas feitas, na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com a ajuda da Confraria Gastronómica de Almeirim”, confessa Irene.
Além disso, em 2008, realizaram um projeto imersivo e digno de destaque, pela originalidade e pela memória das verdadeiras receitas da avó, que vão ficar registadas para sempre. “Dissemos aos miúdos que pedissem às avós algumas receitas que elas fizessem. Nessa altura, conseguimos ter a perfeita noção das diferentes nacionalidades que existiam, porque identificaram a região, a vila e o país no papel que entregaram”, recorda.
E acrescenta: “Depois, com os documentos que conseguimos ter e nos trouxeram — que ainda hoje guardo os manuscritos —, fizemos o livro ‘Receitas da Avó’, que faço questão de levar e mostrar para todo o lado onde vou. É um projeto que guardamos com muito carinho e que é muito importante. Nesse ano, tivemos até apresentações na televisão”.
Com sede no Casal de São Brás, qualquer pessoa que valorize verdadeiramente a gastronomia portuguesa pode participar. Para isso, basta “identificar-se com as tradições, poder estar presente e participar, além do encargo do traje e da cota anual”. Existem três tipos de confrades: os amigos, que “não têm encargos”, os de honra, que são entidades, empresas e demais parceiros, como a Câmara Municipal, e os efeitos, que “elegem e são eleitos”.
Neste momento, no total, existem 140 confrades, em outubro entraram 19 e, a 5 de janeiro, na Igreja da Damaia, vão ser acolhidos mais cinco. Nesse dia, a confraria (como manda a tradição) vai a diferentes freguesias todos os anos, distribuir pão de ló e vinho quente.
Outra das iniciativas previstas para o início de 2025 é um rally paper, com o Clube do Automóvel Antigo da Amadora, onde vão “fazer um circuito pela restauração das freguesias, com a demonstração da confeção do coelho à porcalhota” — a receita que valeu a menção no livro “Os Maias” e que sublinha o sabor indiscutível dos pratos portugueses e, em específico, da Amadora.