A montra da loja não engana. Escritos à mão, vários papéis colados em cima de fotografias dentro de micas, anunciam as especialidades; “chouriço da Beira Baixa”, “paiola de porco preto”, “alheiras mesmo de Mirandela”, “pão do Alentejo — vem às terças, quintas e sábados”, “maranhos da Sertã”, “empadas do Alentejo (Crato) prontas a comer”, “fofos de Belas — à sexta-feira”, e por aí adiante. Tudo artesanal.
Que ninguém vá ao engano, portanto. Também encontra conservas, óleo, leite e outras coisas idênticas a outras mercearias e supermercados, mas na Lojinha das Coisas Boas, aberta há seis anos, na Avenida D. Nuno Álvares Pereira, aos protagonistas são os produtos regionais e artesanais. Aliás, basta entrar e o aroma intenso a enchidos e queijos dissipa quaisquer dúvidas.
“Tenho muitos clientes, muitos amigos. Alguns até vêm de longe. O boca-a-boca é a melhor publicidade que podemos ter. A mais segura. Porque as pessoas vêm, gostam, voltam e recomendam”, conta Artur Espírito Santo, o dono da pequena loja, à New in Amadora.
Outros, porém, espaçam as visitas. “Há aqueles clientes que vêm cá esporadicamente e, quando voltam, pedem desculpas pela ausência prolongada: ‘não venho cá regularmente, mas sempre que venho perco a cabeça’. Eu respondo sempre que não há problemas, porque temos acordo com a farmácia aqui ao lado para qualquer eventualidade”, brinca.
Aos 78 anos, Artur continua cheio de energia e é um livro aberto de histórias para contar. Tanta energia que, em princípio, vai ultrapassar o limite que se tinha imposto a si próprio. “Tinha pensado reformar-me aos 80 anos, mas tenho 78, sinto-me tão bem, que não me vejo a parar daqui a dois anos. Se não houver qualquer problema, vou continuar”, promete.
Artur tem uma vida inteira ligada ao comércio e aos produtores. “Já ando nisto desde os 14 anos”, conta este transmontano, que veio para Lisboa sozinho, embora tivesse cá família, para trabalhar “num grupo de retalho que era o maior da altura, com quase 100 lojas só na zona de Lisboa, que era o Vale do Rio”.
Tomou-lhe gosto e montou o seu próprio negócio, que floresceu. “Eram os supermercados Europa. Havia aqui na Amadora, em Loures, Carcavelos, Borba, Proença-a-Nova. Chegámos a ter os 26 abertos em simultâneo, mas depois foram fechando, sendo comprados por cadeias mais fortes”, conta, lembrando que está “por dentro de todo o negócio da alimentação e retalho”, conhece os fornecedores.
De imitador a dirigente do Estrela e dono de uma rádio
O lojista mora na Amadora há 50 anos e sempre esteve envolvido com a comunidade local. Artur foi dirigente do Estrela da Amadora e presidente da direção da Rádio Mais, uma histórica rádio local, extinta em 1995, de onde saíram muitos nomes da comunicação social portuguesa, entre os quais Jorge Gabriel.
Inicialmente pouco falador, o transmontano acabou por desfiar as memórias. E contou muitas histórias com prazer evidente. Tem um dom para comunicação, que o ajudou em muitas circunstâncias, como, por exemplo, quando transformou os 36 meses de serviço militar obrigatório previstos na Granja do Marquês, “em apenas três — e não foram consecutivos”.
“Sempre gostei muito de brincar. Aliás, acho que é isso que me mantém jovem. Fui animador da FNAT — Fundação Nacional da Alegria no Trabalho, fundada em 1935 pelo Estado Novo, que se transformaria no INATEL após o 25 de Abril — e fazia várias imitações, quer de vozes, quer de gestos, nos serões para trabalhadores na FNAT de Coimbra”.
Quando assentou praça, vinha recomendado como animador e as altas patentes quiseram que ficasse. “Se passei lá três meses, foi muito. Mas também, muitas vezes, eu estava na minha cama e o comandante mandava irem-me buscar porque lá dentro há um palácio onde se reuniam os generais em grandes jantaradas e havia sempre festa a seguir. Eu lá animar o serão e, depois, trazia dois ou três meses de licença”, recorda com uma gargalhada.
Coisas boas, mas sem futuro
Na loja, ainda recebe, ocasionalmente, a visita de pessoas desse tempo, ou antigos empregados dos seus supermercados. “Penso que fui um bom patrão, sempre respeitei toda a gente, e formei muitos profissionais”, considera.
Os seus clientes são, maioritariamente, mais velhos, até porque “os jovens de hoje não gostam deste tipo de comidas”. “Os que vêm é porque são filhos ou netos de clientes da casa e se habituaram a estes sabores”, salienta.
As coisas boas nunca vão desaparecer, mas o negócio acabará por fechar. Artur, que tem dois filhos, um homem de 51 e uma mulher de 50, sabe que é uma inevitabilidade e convive bem com isso.
“O meu filho, ao contrário de mim, não gosta de estar preso atrás do balcão de uma loja, gosta de andar na rua a vender. A minha filha está na cafetaria do Pingo Doce dos Moinhos da Funcheira, portanto, nenhum deles virá para aqui”, lamenta.
Até lá, vai continuar a procurar os melhores produtos regionais. “Abro todos os dias às 8h30 e fecho às 13 horas, reabro às 15 e fecho às 19 horas. Ao sábado, fecho um pouco mais cedo, às cinco da tarde”. Ao domingo descansa.
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