São três da manhã e é noite escura. Em muitas casas, há quem ainda nem sequer tenha ido à cama, não conseguindo parar de ver mais um episódio da sua série preferida. A essa hora, porém, Rui e Diogo abrem as portas da Carbeta, a pastelaria familiar do bairro do Casal de São Brás, na Amadora, que acaba de entrar no 40.º ano de vida.
Rui e Diogo são os dois pasteleiros que trabalham na fábrica do estabelecimento, localizada na cave da sala principal. “Eles são os madrugadores de serviço”, conta à New in Amadora Joaquim Pinto, um dos sócios da pastelaria. Só assim, acrescenta, “é possível abrir as portas às 7 horas com pão, salgados e bolos frescos”.
Aos dois pasteleiros junta-se às catacumbas, por volta das cinco da manhã, Natália, que auxilia a dupla na confeção de tudo o que é consumido no local. “Uma das razões para o sucesso desta casa é que tudo o que servimos é feito cá. Dos salgados aos bolos, do pão, às miniaturas, dos folhados às sobremesas, da sopa à pizza”, afirma Joaquim Pinto, que em 1998, juntamente com Joaquim Brito e mais dois sócios compraram a pastelaria, que tinha sido fundada 22 anos antes.
“O fundador da Carbeta foi o cunhado do Sr. Martins, dono da Seara, do outro lado da rua, que vocês já entrevistaram recentemente, e que teve outros espaços aqui no bairro”, conta Joaquim Pinto.
Hoje, a casa tem três sócios, mas a dupla de Joaquins é que está no ativo e é o rosto da pastelaria, contribuindo para o ambiente familiar que, dizem, é a razão da longevidade. “O segredo desta casa é o bom ambiente que temos. Esta é uma pastelaria de bairro muito familiar, muito característica aqui da Amadora. O Casal de São Brás tem características muito especiais, é uma família, quase toda a gente se conhece e mesmo entre estabelecimentos concorrenciais não há rivalidade”, sublinha à NiA.
A cumplicidade com os clientes é meio-caminho andado para a fidelização. “Trabalhamos muito bem, conhecemos todas as pessoas, temos clientes que vêm cá há muitos e muitos anos. Hoje já temos clientes que são filhos de antigos clientes e alguns já vêm com os seus filhos pequenos, portanto, isto é uma casa que passa de geração em geração”, acrescenta.
Dezassete anos em França antes da Carbeta
Natural da Covilhã, na Beira Baixa, Joaquim veio para Lisboa com 12 anos. Hoje tem 67. “Trabalhei muito tempo na restauração, mas mais em restaurantes do que em pastelarias”, recorda.
Em 1980, emigrou para França. “Fui à aventura, não tinha nada pensado, nem emprego assegurado”, afiança. Não tinha nada pensado, ponto e vírgula. “Fui porque me casei”, ri-se, quando se apercebe do segundo sentido com que a frase podia ser interpretada. “Claro que tinha uma razão forte para ir. A minha mulher e os pais já viviam lá em França e eu fui para lá ter com eles”.
Ficou lá 17 anos. Longe da restauração, a trabalhar com peças e componentes para automóveis da marca Peugeot. “Foi o que havia e agarrei-me a isso. E gostei. O que era importante era colocar dinheiro em casa. Estávamos em início de vida, tinha de se trabalhar”, justifica.
Voltar estava nos planos. “Este é o nosso País, portanto, o nosso objetivo era sempre voltar. Fazer um pé-de-meia lá fora e voltar”. E foi o que aconteceu. Voltou e, pouco tempo depois, foi desafiado para entrar na Carbeta.
Na pastelaria da Mina, aberta todos os dias entre as 7 e as 20 horas, à exceção de domingo, que é dia de descanso, trabalham dez pessoas. Joaquim Pinto está contente com a casa que tem, embora gostasse de ter uma cozinha, em vez da pequena copa do piso térreo.
“Se tivéssemos uma cozinha, podíamos fazer pratos do dia, mas não temos condições. Assim, temos sopa, umas tostas, bifanas, pregos a pizza que vem de lá de baixo da fábrica”.
A especialidade da casa, porém, é o salgado que dá nome à casa. Trata-se de um folhado misto de queijo, fiambre e galinha. “É uma invenção nossa, muito boa, muito saborosa e que os nossos clientes adoram, sobretudo logo de manhã quando vêm quentes da fábrica”, diz à New in Amadora.
Todos os dias, os pasteleiros da casa fazem “40 a 50 Carbetas e raramente sobra alguma. Entre Carbetas e merendas folhadas, são cerca de 80 a 90 por dia. Porque, como não temos almoços, muitos clientes pedem uma sopa, uma carbeta, uma bebida, um café e estão almoçados”.
Joaquim está quase a chegar aos 68 anos, mas ainda não pensa na reforma. “Gosto muito disto, do contacto com as pessoas, de ouvir os clientes, de falar com eles. Temos pessoas que vivem sozinhas, que nos contam os seus problemas. Somos uma espécie de confessores e é isso que faz desta casa um espaço de proximidade”
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