Ainda não são 11 horas de sábado e já cheira a cozido. Sónia, a cozinheira do Porcalho, o famoso restaurante da Amadora, anda de um lado para o outro. “É assim sempre, mas ao fim de semana, é uma loucura. Isto não é vida para ninguém”, diz, com cara de poucos amigos.
Sónia é a capitã da cozinha do restaurante e é a mulher de José Montenegro, o patrão. “Há 20 anos aqui, está a ver o que isto é? Ter um restaurante dá muito trabalho, as pessoas não têm noção. Não há tempo para nada, não há férias, não há sossego”, lamenta-se, enquanto corta em rodelas a morcela, o chouriço de carne e a farinheira.
Sábado é dia de cozido à portuguesa no Porcalho — o nome é uma homenagem que quiseram manter à antiga designação da Amadora, Porcalhota, só alterada em 1907 pelo rei D. Carlos. O relógio marca as 11 horas. José Montenegro (“mas não sou primo do primeiro-ministro”, avisa) chega carregado de caixas de peixe fresco vindas do mercado, que a funcionária se encarregará de colocar, um por um, no expositor à vista de todos.
Olha para a cozinha e pergunta como estão as coisas. Sónia olha para o marido e responde: “Como é que achas?” Ao seu lado, o irmão, Luís, habitualmente empregado de mesa, mas que por causa da gravidez da cunhada de Sónia teve de ir para a cozinha (“o meu cunhado é muito bom na cozinha e é um ás na grelha”, diz Montenegro), tenta salvar o ambiente. “Está tudo bem”, diz. E sorri, enquanto mexe o grande tacho onde as couves cozem em lume brando. Ao lado, num tabuleiro gigante, as carnes de vaca e porco já estão partidas e cozidas, depois da salmoura e das lavagens das últimas 48 horas.
Cozido nunca sobra
“Esta casa trabalha bem sempre, mas ao fim de semana são os nossos dias mais fortes, é verdade”, reconhece à New in Amadora o empresário. “A opção de termos o cozido à portuguesa ao sábado e o cabrito assado no forno ao domingo revelou-se acertada, porque temos clientes fixos, famílias inteiras, que vêm cá todos os fins de semana porque sabem que vão encontrar estes dois pratos”, sublinha.
Ao sábado, o Porcalho serve “cerca de 60 doses de cozido, que vai todo ao almoço”. Ao domingo, “diria que são umas 30 doses de cabrito”. “Mas em dias especiais, como Ano Novo ou na Páscoa, faço sempre seis ou sete cabritos e cada cabrito dá 12 doses, mais ou menos”. Feitas as contas, cerca de 75 a 80 doses.
O restaurante, situado na freguesia da Mina de Água, perto do Parque Central da Amadora, está numa zona residencial. “Ao fim de semana, as famílias estão muito em casa e, portanto, já sabem quais os pratos que têm e vêm cá almoçar e jantar”.
“Ter qualidade, ter oferta ao cliente e não relaxar” são as receitas para o sucesso, diz José, 44 anos, que dá uma gargalhada quando se lhe pergunta de onde vêm as carnes que serve no seu restaurante. “Podia dizer que vêm das coutadas do Alentejo ou do Marco de Canaveses, como dizem outros [risos], mas não, vêm mesmo do talho. Não sou eu que caço os cabritos”, diz. E concretiza: “Tenho um conjunto de talhos aqui da Amadora que me fornecem há muito tempo e cuja qualidade é boa. É tão simples quanto isso. O peixe vem ali do mercado da Mina”.

“Numa casa destas tem de se ter um grande espírito de sacrifício. Às vezes, dá para todos, paga-se o que se consegue pagar e fica-se a olhar para a ponta dos dedos, porque não resta nada”, explica à NiA, reconhecendo que Sónia, a mulher, tem sido muito sacrificada ao longo destes anos. “Nós aqui temos uma lista muito extensa e isso dificulta muito o trabalho da Sónia, porque uma coisa era ter uma ementa de seis ou sete pratos — do ponto de vista logístico era mais fácil de controlar —, mas eu gosto de ter uma ementa cheia, penso muito no cliente, e isso para ela é muito difícil e chocamos muito”.
Percebe-se o choque. Além do cozido (12,8€ para uma pessoa e 25,5€ para duas) e o cabrito (14,5€/28,5€), há ainda na lista variável o caril de camarão (13€), a picanha (13,5€), o strofonoff de frango (10,5€), a alheira tradicional (10,5€) ou os lagartinhos de porco na grelha (11,5€/22,5€).
Nos peixes, o Porcalho tem garoupa grelhada ou cozida (16,5€), salmão grelhado (12,5€) e chocos à lagareiro (15€), entre outros. Destacámos só alguns, porque entre os referidos, as sopas, as carnes e os peixes são mais de 40 pratos que podem ser escolhidos. Fora as entradas e as sobremesas, quase todas caseiras, e também feitas por Sónia, onde se destacam a pera bêbada (3,8€), a maçã assada (3,5€), o pudim de ovos (3,5€) ou as mousses de manga ou de chocolate, ao mesmo preço do pudim.
“Sou difícil de aturar”
José e Sónia estão casados há 25 anos. “Reconheço que sou um bocadinho difícil de aturar, ela queixa-se um bocado”, diz, com um sorriso. Injustamente? O empresário é lesto na resposta: “Não, não é injusta. Ela tem razão. Mas eu sou uma pessoa que exijo e ela queixa-se que eu dou mais valor à opinião do cliente do que à opinião dela”. No restaurante, José admite que é “mais patrão do que marido”. “E mesmo em casa ela também sofre, porque nos meses em que isto não dá muito, eu não ganho e ela é sempre a última empregada a receber. Portanto, às vezes não há mesmo”.
O empresário diz-se um resistente. Veio de Paredes de Coura aos 15 anos para Lisboa, deixando para trás uma infância difícil, marcada por uma “família despedaçada pela violência doméstica”. “Não sou de desistir, sou ambicioso, sou homem de trabalho”. Abriu o Porcalho há 20 anos como empregado de um patrão que viu nele capacidades e deu-lhe sociedade com uma quota a realizar”. E que, mais tarde, num momento de crise do restaurante, quis vendê-lo. “Eu lutei e bati-me todo para que ele não o vendesse. Propus-me comprar-lhe, mas não tinha nem dinheiro nem crédito na banca”. Negociaram os dois, ficou com o restaurante e com uma dívida que foi pagando mensalmente durante anos até novembro do ano passado. “Aí já tinha crédito na banca, e paguei-lhe tudo o que faltava”, conclui à New in Amadora.
Carregue na galeria e conheça os pratos-estrela do Porcalho, cuja ementa é atualizada todos os dias no Facebook.