Susana Garcia, 53 anos, queria ser “professora primária”, mas o destino trocou-lhe as voltas e teve de se “fazer à vida”. “Perdi o meu pai muito cedo, tinha 15 anos. E isso mudou tudo nas nossas vidas lá em casa”, revela à New in Amadora.
Com duas irmãs mais novas, então com 12 e 11 anos, e uma mãe, que ficou viúva aos 38 anos, e que não trabalhava fora de casa, foi preciso mudar todos os sonhos. A matriarca, ainda hoje viva, com 77 anos, “e orgulhosa do caminho que as filhas fizeram e que os netos estão a começar a fazer”, começou a trabalhar e garantiu que as miúdas continuassem a estudar.
“Foi muito duro, não posso esconder, mas esse infortúnio uniu-nos mais. Ficámos as três filhas e a mãe a lamber as feridas e a seguir em frente. Para trás, ficou o sonho de ser professora.
“Fui para a decoração de interiores, por força das circunstâncias, mas a crise da habitação levou à crise da decoração e, como eu sempre tinha tido vontade de ter um projeto meu, em 2013, decidi avançar com a ajuda do meu marido”, conta.
E assim nasceu A Loja da Aldeia, uma mercearia fina de produtos regionais, situada no centro da Amadora, na freguesia da Venteira. “Só trabalhamos com pequenos produtores nacionais, é tudo caseiro. Temos compotas, licores, bolachas, enchidos, azeite, sal das salinas de Rio Maior”, explica Susana, que garante não haver ali, naquelas prateleiras, “marcas que se encontram nas grandes superfícies”.
Há 12 anos, quando abriu loja “não havia nada disto na Amadora”, até porque o espaço junta produtos alimentares, artigos de oferta e até artesanato local. “Os nossos produtores são nossos parceiros. Não vendem para mais ninguém na Amadora. E muitos deles, além de produtores, têm pequenos negócios de artesanato, e isso enriquece a loja e a oferta disponível para os clientes”, justifica.
Susana, que nasceu na Amadora — “sou de um tempo em que muita gente nascia em casa e eu fui uma delas, na Falagueira” —, onde viveu até se casar, fala com orgulho das suas coisas. “Tenho orgulho nesta loja, claro, e da relação que estabeleci com os meus clientes, a maior parte deles fiéis”, diz, entusiasmada.

Em criança, recorda, era “um pouco envergonhada”, mas aos poucos foi ficando mais “solta”. “Sou muito comunicativa, observadora. Acho que até morrer vou ser assim, adoro falar, aprender, gosto de conversar com as pessoas”, diz, soltando uma gargalhada expressiva, que parece ser a sua imagem de marca.
A conselheira da aldeia
“Dá-me muito gozo esta comunicação. Ninguém vive do ar. As pessoas estão a trabalhar para ganhar dinheiro e eu também, não vou estar aqui com histórias da carochinha, mas o prazer que isto me dá, nem calcula”, sublinha à NiA.
Susana reforça que é “mais do que uma vendedora”. “Gosto de dizer que sou uma conselheira, porque é isso que, ao conversar com os meus clientes, eu faço, dou-lhe conselhos. Todos os produtos que aqui estão à venda já foram testados por mim e pelo meu marido”, revela.
Sempre que sai de Lisboa, o casal tem por hábito visitar os produtores locais com quem trabalha. “Gostamos de conhecer as pessoas, ver as condições em que trabalham, provar as coisas e perceber se estão dentro dos padrões que queremos para A Loja da Aldeia”.
Por isso, sempre que um cliente lhe pede um conselho no momento da compra, a empresária sente-se “autorizada” a fazê-lo. “Isso dá-me muito prazer, essa proximidade. Eu sou conhecida pela Loja da Aldeia, pela loja das coisas boas, pela loja da Susaninha. O contacto é muito importante e é isso que faz uma casa. Às vezes, tenho uma cliente na loja, toca-lhe o telefone, ela atende, alguém lhe pergunta onde é que está, e a cliente responde “estou na loja da Susana”. Isso é uma coisa que só a proximidade do comércio de rua permite, principalmente quando são estabelecidos laços”.
A Loja da Aldeia tem dois tipos de clientes: os vizinhos e os que não moram na Amadora, mas trabalham por aqui. “É o cliente de serviços, que um dia conheceram a nossa loja por acaso e ficaram clientes”.
“Tipicamente, são pessoas que iam ao El Corte Inglés e passaram a comprar certos produtos na minha loja”, diz. Quando questionada se a cadeia espanhola, que tem 80 lojas em Espanha e oito espaços em Portugal, é a sua principal concorrente, Susana não hesita. “É a minha concorrência mais próxima, sim. Não tenho problemas em dizê-lo. Nós temos produtos que o gourmet do El Corte Inglés vende e acabamos por ter preços inferiores aos praticados por eles”, garante.
Como a pandemia ajudou o negócio
A relação de proximidade e confiança com a vizinhança reforçou-se muito durante a pandemia de Covid-19. “Nessa altura, nós ocupámos uma parte da loja com mercearia corrente: leite, cereais, farinhas, café, sumos, manteiga, fruta e legumes frescos, que vêm diretamente do produtor. À quarta-feira e ao sábado nós chamamos o Dia da Horta, que são os dias em que chegam as hortaliças frescas”.
Esta estratégia de ‘fintar’ a Covid deu resultados: enquanto todas as outras lojas tiveram de fechar no confinamento, A Loja da Aldeia manteve-se aberta porque tinha frescos e produtos essenciais.
“A partir daí, a clientela aumentou muito”, reconhece à New in Amadora. “As pessoas ficaram satisfeitas por ter à porta de casa uma loja aberta com os bens essenciais”. Tão satisfeita que o que era temporário tornou-se definitivo. “Os nossos clientes daqui da Amadora habituaram-se a isso, é gente que mora aqui, alguns deles mais velhos, e pediram-me: ‘Susana, mantenha a mercearia, e a fruta e os legumes, porque desde que passou a ter cá isto, eu deixei de ir ao supermercado’”.
Os produtos hortícolas, as compotas, as bolachas, os queijos e os chocolates são os artigos que mais se vendem na loja da Venteira. E o pão. “Todos os dias temos pão alentejano. Não é tipo alentejano, como se vê muito por aí. É mesmo alentejano, que vem todos os dias do Alentejo. E temos clientes que todos os dias vêm comprar o pão alentejano. E acabam por comprar sempre mais qualquer coisa”, conta.
Com muita oferta artesanal e sazonal, agora, com o aproximar da Páscoa, é o tempo de reforçar a montra com chocolate e amêndoas. “Trabalhamos com alguns mestres chocolateiros que fazem chocolate artesanal diferente do que se vê nas grandes superfícies. Além disso, temos amêndoas artesanais, um folar especial. Ou seja, o nosso cliente sabe que aqui encontra coisas diferentes, e até nem se importa de pagar um pouco mais mas sabe que está a comprar produtos de qualidade, cuja origem é conhecida, e assegurada por produtores portugueses e métodos tradicionais”, conclui.
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