Um quadro negro de grandes dimensões, atrás do balcão, diz ao que se vem. Não fosse o aroma forte a café denunciar o Moinho da Amadora, uma loja cheia de história fundada em 1957 por Manuel Martins, e que há 24 anos está nas mãos de Pedro Manso e da mulher, Sandra.
No quadro estão identificados as misturas e os lotes que a casa, situada na Rua 1.º Dezembro, bem perto da estação de comboios da Amadora. “Temos o café das avós [não é esta expressão oficial, mas a New in Amadora optou pela versão soft], que são as misturas com cevada, chicória e centeio que ainda hoje são as preferidas das nossas clientes mais antigas, depois temos os nossos lotes já preparados e, finalmente, os cafés do mundo”.
O Moinho da Amadora trabalha “com cafés de variadíssimas origens”. “Compramos através de um revendedor, que importa o café que nós pretendemos”, conta Pedro, 53 anos. Colômbia, Brasil, Ilha do Fogo, Timor, São Tomé, Etiópia, Indonésia, Vietname e Angola são as proveniências do café, dividas entre as duas variedades mais usadas em Portugal: a Robusta, mais forte e de travo mais amargo, e Arábica, mais suave e mais aromática.
O café é a estrela da casa, mas Pedro precisa de uns segundos para fazer contas. “Quantos quilos vendemos por ano? Ui, não é fácil”, responde. “Bem, vamos lá. Se eu misturar café todas as semanas, sou capaz de misturar 150 a 200 quilos por semana, multiplicando por quatro dá cerca de 800 quilos por mês. Com todo o café que vendemos aqui, talvez estejamos a falar de oito ou nove toneladas por ano”, arrisca.
Quanto a preços, há para todas bolsas. Os cafés de mistura têm valores a partir de 8.80€ por quilo. Os lotes/blends começam nos 24.80€ por quilo, enquanto os valores dos cafés de origem sobem para a partir de 32.80€ por quilo.
“Devo ter sido feito a beber café”
Pedro não se lembra de não ter gostado de café. “Devo ter sido feito a beber café ou entre as sacas de grãos de café”, brinca. O proprietário lembra que o pai sempre esteve no negócio do café.
“Quando tomei esta loja, há 24 anos, já tinha experiência no ramo, por causa do meu pai. Eu e o meu irmão não quisemos estudar mais e acabámos por ir trabalhar. Trabalho nisto desde os meus 17, 18 anos. O negócio do meu pai era mesmo casa de cafés, em Odivelas, só que sendo loja de bairro, teve de se ir adaptando com os tempos. Para o fim, já era mais mercearia do que loja de café”, recorda.

Na Amadora, Pedro e Sandra tentam “resistir às novidades moderninhas que possam descaracterizar a loja”. “Às vezes, aparecem-me aqui certos fornecedores com produto que não se enquadra naquilo que é a loja e que nós queremos que seja a loja. Não queremos descaracterizar a essência do Moinho da Amadora”, sublinha.
O proprietário explica que tenta que a casa tenha sempre “produto o mais caseiro possível, o mais artesanal possível, que é a única forma de uma loja destas se diferenciar das grandes superfícies”. “São assim os nossos doces e compotas (a partir 5,75€ o frasco), são assim os nossos biscoitos regionais (a partir de 13,80€ por quilo). Porque a nossa clientela é mais idosa e atrás de um café vai sempre um biscoito”, brinca.
Os chás (desde 7,90€ a unidade), os chocolates e os frutos secos compõem a oferta regular do Moinho. “Não quer dizer que não possamos vir a diversificar o tipo de produtos que vendemos, mas a ser, que seja uma mercearia fina. Não gostava de entrar muito pelos queijos e enchidos”, exemplifica.
Casa com história, clientes com história
Numa casa com 67 anos de vida, é natural que haja clientes de diversas gerações. Muita gente, muitas histórias de vida. “Há clientes muito antigos. Aliás, há muitos que conheceram o fundador da casa, o senhor Manuel Martins. Já não tive oportunidade de o conhecer”, lamenta Pedro.
“Temos gente que vem cá todas as semanas, que já conhece bem os cantos à casa, mas, felizmente, também há clientes novos que não nos conhecem, mas que ouviram dizer que aqui encontravam café de qualidade. O passa-palavra é muito importante no comércio tradicional”, diz à NiA.
O segredo é a proximidade. “E a qualidade do produto”, acrescenta. O café é moído na casa em moinhos próprios. “Estes são mais modernos”, diz, enquanto aponta para dois moinhos industriais, mas de pequena dimensão, que estão atrás do balcão. “Nós tínhamos uns, que já não estão a funcionar, porque já não há mós. Tinham setenta e tal anos, vermelhos muito pesados”, conta.
E como não basta imaginar, é preciso ver, Pedro convida-nos a entrar em zona reservada. Numa pequena sala onde há produtos armazenados, um sofá e uma televisão a pedir reforma — a crer no ar desmaiado de Cláudio Ramos, que está no ar no momento, lá está um grande moinho pesado vermelho. Esse, sim, já reformado. “Mas podemos tirar uma foto”, avisa o empresário. “Este moinho era um tanque. Podia colocar a moer aqui quatro ou cinco quilos de café ao mesmo tempo e ele não se queixava”.
Hoje, a pesada máquina industrial “já não trabalha, mas ainda funciona”. “Este nunca se queixava, podia estar a trabalhar dia e noite. Tinha duas mós de pedra, que tinham de ser picadas. O moinho era um pouco barulhento e tinha vida própria. A potência das mós fazia toda sala trepidar. “Quando estava a trabalhar, o moinho ia saindo do lugar, depois era difícil voltar a colocá-lo lá, porque isto é um peso bruto”.
Pedro vai conversando com a nossa revista sempre com um sorriso, enquanto olha para a porta por onde vão entrando clientes. Sandra, que acompanha o marido nesta aventura diária, é mais de fazer do que falar. “Ele é que é de entrevistas, tem o dom da palavra”, diz entre risos. E conclui: “neste tipo de comércio de porta aberta é fundamental”. Pedro corrobora. “Isto tem de ser mais do que um negócio, tem de ser uma loja com alma. Sempre foi assim que eu vi o meu pai fazer. E eu gosto mesmo de atender o cliente”, diz, sem que fosse preciso dizê-lo. Nota-se à légua.
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