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Sorriso Alentejano: a mercearia que nasceu na Damaia e agora quer conquistar o mundo

Há 37 anos, a marca começou nos mercados da Amadora. Hoje tem duas lojas e já está em marcha um projeto de expansão internacional.
Teresa foi a primeira a abrir a loja e Nuno olha para o futuro.

Teresa sempre ouviu dizer que “mulher honrada não tem ouvidos”. E assim foi. Quando, há 43 anos, tinha então 16, passava por um pombal no regresso da escola, ignorava os olhares de Nuno, quatro anos mais velho.

“Eu era magrinha, com os cabelos compridos e ele era amigo do meu irmão, porque eram columbófilos. Sempre que eu passava pelo pombal, o Nuno dizia ao meu irmão: ‘Eh pá, tens ali uma rica irmã’”. Tanto se cansou de ouvir o amigo, que lhe disse: “Olha, se estás interessado, vai ter com ela”.

Está-se mesmo a ver o que aconteceu, certo? Teresa Mira, hoje com 59 anos, continua a contar a história na primeira pessoa. “E foi assim que nos conhecemos. Ao início não lhe ligava nenhuma e fiz-me difícil, claro. Tinha de ser, mas depois não resisti mais e começámos a namorar”, solta uma gargalhada. Tinha 17 anos.

Teresa e Nuno estão casados há 39 anos, têm dois filhos, André, de 35 anos, e João, de 30, e são ainda pais do Sorriso Alentejano, o negócio de produtos regionais alentejanos que criaram há 37 anos e que hoje é uma valiosa marca da Amadora, dividida por duas lojas, uma na Damaia e outra na Falagueira.

Não é por acaso. Durante anos, os dois membros do casal foram ‘concorrentes’: “ele estava na praça da Falagueira e eu aqui na Damaia. Vendíamos os mesmos produtos, claro, e foi assim que o negócio começou a florescer”.

A primeira loja depois de 19 anos no mercado

Sábado, 12h15. Teresa está atrás de um balcão longo onde tudo grita “leva-me para casa”: queijos, enchidos, bolos secos, pão alentejano, compotas, azeites, vinhos. Há de tudo por ali.  

“Estive 19 anos no mercado da Damaia, aqui em frente”, conta à New in Amadora a empresária, nascida na freguesia da Mina de Água, e que está à frente da principal loja, situada no Largo Alexandre Gusmão.

E acrescenta: “Depois, houve um dia em que nos apercebemos que esta loja tinha vagado e assentei aqui arraiais. Deixei o mercado e abri a primeira loja Sorriso Alentejano”, com os mesmos produtos que os clientes já estavam habituados na banca da praça. “Foi um passo importante, claro. Aqui tenho outro tipo de condições e muito mais espaço para ter mais produtos”.

A conversa pára dois minutos. Teresa atende uma cliente que não terá mais de 40 anos. Leva queijo, pão e um enchido. Já é cliente há muito, a mãe já era também, e não tem problemas em perguntar que queijo deve levar: “Este ou aquele?”

“Ao fim de 37 anos que eu trabalho nisto, entre o mercado e aqui a loja, tenho um grande carinho pelos meus clientes e eles por mim. Tratam-me pelo nome e há uma familiaridade incrível. Ainda hoje veio aqui uma cliente habitual que me disse: ‘Teresa, venho cá buscar o queijo do André’. Que era um queijo que o meu filho mais velho gostava e então ficou o queijo do André”, conta à NiA.

Os clientes pedem-lhe: “Teresa, não me trates por você ou por dona, é só o nome”. E ela responde-lhes na mesma moeda. “Ainda tenho uma cliente de há 36 anos e vários que ainda iam ao mercado e que passaram a vir aqui. Já são velhotes”.

“Tento fazer o meu melhor, para que o cliente seja bem atendido”, garante a empresária que, em criança, “era um castigo”. “Detestava açorda. Coisas batidas para mim, não obrigado”, ri-se. Agora, rendeu-se à gastronomia alentejana. Já como açorda de bacalhau, de camarão, com muitos coentros. De tomate, é que não”, alerta.

“O Sorriso não vai morrer”

João, o filho mais novo, entra na loja. Sorri, aperta a mão e entra na conversa. “Eu cresci nos dois mercados. Ora ia ter com o pai à Falagueira, ora vinha ter com a mãe à Damaia”.

As memórias são muitas e o tempo não as apaga. “A quarta-feira é sempre um dia especial para nós. Semanalmente, é à quarta-feira que vamos ao Alentejo buscar produtos. E desde pequenos, desde que eu me lembro, íamos à quarta-feira, depois de vir do Alentejo, arrumar os produtos aos mercados. Ao frio e à chuva ajudá-los. Depois, eles passaram para as lojas e nós, mesmo mais crescidos, andámos sempre envolvidos nisto dos queijos, dos chouriços, do Alentejo, dos fornecedores”, diz o jovem, formado em Marketing.

Apesar de os dois filhos terem nascido em Lisboa, “há uma cultura alentejana enraizada” neles, reconhece João. “Foi isso que puxou o meu irmão para o Alentejo — e ele é lá engenheiro agrónomo — e me puxa a mim para a parte do negócio e do potencial que o Sorriso Alentejano tem.

João tem os olhos postos no futuro. Trabalha remotamente, na área financeira, para uma empresa polaca — “tem um bom emprego, ganha bem, não vai trocar o que tem por isto”, dirá mais tarde o pai, Nuno — mas está a trabalhar na internacionalização do Sorriso Alentejano.

“Nós temos de olhar para o mercado atual e perceber que as pequenas empresas desaparecem porque são engolidas pelas grandes”, reconhece à New in Amadora. E acrescenta: “Eu viajo muito e quando estamos no estrangeiro é que nos apercebemos do valor que a gastronomia portuguesa tem lá fora. Portanto, deixar morrer esta marca,  criada pelos meus pais com tanto amor, tanto esforço, tanto carinho, é como esquecer um sonho”.

João Mira acredita que “há um potencial enorme para crescer pelo mundo”. “Cada vez que eu levo um queijo ou um chouriço a um americano, a um ucraniano, a um africano, a um chinês, como presente, a cara deles é ‘uau, o que é isto?”

O Sorriso Alentejano já tem uma marca própria, e João orgulha-se em apresentá-la. Puxa de um cabaz de papelão, onde se encontram vários queijos e outros produtos regionais, todos com o selo da marca.

“Isto são receitas da minha avó, que já morreu, mas ficaram as receitas que nós guardámos com muito carinho. Nós não temos fábricas, mas pedimos para produzirem o nosso próprio queijo. Portanto, neste momento já temos uma marca própria, que está a ser construída e ampliada. São receitas da minha avó, produzidas no Alentejo por animais que são criados de forma natural”.

João, que é uma espécie de responsável pelos novos negócios da empresa — sem que o cargo esteja formalmente assumido — garante que “esta marca não vai morrer”.

“Ela vai internacionalizar-se. Esse é o objetivo. É levar o Alentejo a Lisboa, de Lisboa à Europa e, depois, ao Mundo. O mercado norte-americano pode ser muito importante. Temos de criar uma logística para exportar em caixas os nossos produtos e criar um website que permita que qualquer pessoa no mundo inteiro compre online e receba os queijos alentejanos e sua casa”, exemplifica.

Mesmo que para isso, seja preciso “repensar o nome”. “A palavra sorriso não tem grande sentido em muitos países lá fora, portanto, mais vale apostar num nome sonante, capaz de ser dito e de se constituir como marca. É impossível isto morrer. Temos pessoas a trabalhar nisto há quase 40 anos. Temos memórias, temos afetos, temos sorrisos”

Teresa está calada enquanto o filho fala: os olhos brilham. Está emocionada. “Teresa, é um orgulho ouvir o seu filho dizer isto, não é?”, perguntamos-lhe. Acena com a cabeça. “É, sim senhor. Está a ver por que razão lhe disse que queria que ele estivesse nesta conversa? Sou uma mãe de coração cheio”.

O começo de tudo no Alentejo

Sábado, 13h15. Na Falagueira, A cinco minutos de carro da Damaia, Nuno fecha uma das portas da loja. Calças brancas, camisola cinzenta, boina branca. “Estava à sua espera. O meu filho disse-me que já tinha saído de lá”, afirma Nuno com um sorriso.

Nuno Mira, hoje com 64 anos e que continua a ser columbófilo, é a origem de tudo. “Eu nasci em Beja, Beja mesmo”, diz, com o sotaque que não engana, embora já não muito carregado.

Nuno Mira: natural de Beja, foi ele que começou o negócio há 37 anos.

“Depois, quando eu tinha um ano fomos paras as Neves, uma aldeia pequenina ali como quem vai para Baleizão e Serpa e vivi lá até aos sete anos”. Foi uma infância feliz, reconhece, sem as privações que se vivia no Alentejo daquele tempo. “A minha mãe já tinha negócios. Tínhamos lá uma mercearia e uma taberna, eu andava de calções por ali, aos pássaros”, recorda à New in Amadora.

Não gostou da escola no Alentejo. “A 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª classe era toda junta e era a mesma professora que tinha de dar tudo. Lá fiz só um ano e não passei”, ri-se. Era rufia?, perguntamos-lhe. Encolhe os ombros. “Ah, a professora tinha muitos miúdos para ela e até nem dava por isso quando a gente faltava”, diz, divertido, acrescentando que o pior era depois, porque “os pais zangavam-se”.

“Vim para Lisboa e aqui é que fiz a escola toda. E gostei. Mas assim que tirei a quarta classe, meteram-me logo a trabalhar. Nem me deram hipótese de escolha. Naquele tempo era assim.

A aventura da venda na praça começou com um infortúnio. O pai morreu cedo, aos 57 anos. “Eu trabalhava numa oficina e sou o mais novo de quatro irmãos. Na altura, vivia com a minha mãe, os outros já estavam casados. Como a minha mãe tinha negócios no mercado, eu despedi-me da oficina e fui trabalhar com ela”.

Só largou o mercado da Falagueira há dez anos, quando abriu, ali perto, a segunda loja Sorriso Alentejano. “A primeira loja é da minha mulher, onde esteve há pouco. É maior, tem mais coisas”. O cheiro a enchidos, enchidos e tudo de bom é idêntico. Em cima do balcão, há bolos secos e baldes de torresmos. “Para mim, os melhores são os de rissol”, confessa.

“Tudo aqui vem de produtores alentejanos pequeninos. Porque mesmo no Alentejo já há produtores industrializados, porque têm de fornecer as grandes superfícies. Eu prefiro os mais pequenos, tudo é mais artesanal”, explica.

Nuno ainda é novo e não pensar reformar-se tão cedo. Sabe que o filho João tem ideias expansionistas para o negócio, mas diz que “eles têm a sua vida, têm é que ser felizes”. Se for possível manter o sorriso, tanto melhor.

Carregue na galeria e conheça as duas lojas e a família do Sorriso Alentejano.

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FICHA TÉCNICA

  • MORADA
    Largo Alexandre Gusmão, 13, Loja Damaia
    2720-008 Amadora
  • HORÁRIO
  • Se segunda a sexta-feira, das 9h às 19h
  • Sábado, das 9h às 13h
  • Encerra ao domingo

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