Quando partiu para o seu próximo grande trabalho, a jornalista Mònica Terribas tinha um objetivo bem definido: expor o que realmente acontece nos bastidores do Opus Dei. Durante quatro anos, procurou desmascarar a instituição da Igreja Católica através de dezenas de entrevistas. O trabalhou árduo e quase obsessivo tem agora um desfecho: “Como Deixei o Opus Dei”. A série documental estreou esta sexta-feira, 7 de fevereiro, na plataforma de streaming Max.
Na produção, 13 mulheres de diferentes origens, países, gerações e sem laços entre si, falam pela primeira vez sobre os desafios e a realidade do Opus Dei, onde serviram como numerárias, numerárias auxiliares ou agregadas. “Mulheres que relatam ter-se sentido submetidas a tratamento abusivo no trabalho, psicológica e espiritualmente, do qual decidiram sair e que agora se atrevem a denunciar”, lê-se na sinopse.
A ideia para este projeto surgiu há quatro anos, quando Terribas recebeu um e-mail de uma mulher desconhecida que lhe contou a brutalidade do tratamento a que tinha sido sujeita no Opus Dei. Este relato foi o ponto de partida para uma investigação que levaria à criação do documentário de quatro episódios.
A intensidade do testemunho impressionou profundamente a jornalista, que sentiu a urgência de dar voz a mulheres que, durante demasiado tempo, tinham sido silenciadas. “Fiquei a saber através de um e-mail de uma das mulheres, Maria Roca, que queria que eu soubesse o que lhe tinha acontecido. As palavras dela tiveram um grande impacto. Percebi que o relato vinha sem qualquer desejo de vingança, já tinha sido assumido pela pessoa e tinha uma dimensão global. Havia uma forma comum de operar. Decidi investigar a fundo para saber se as histórias se cruzavam”, contou no programa espanhol “La Ventana”.
Para ilustrar estas histórias, Terribas optou por recriar de forma dramática os relatos, com a atriz Claudia Traisac a encarnar as diferentes testemunhas. Estas recriações são combinadas com entrevistas às protagonistas, o que, para a jornalista, resultou numa “narrativa comovente e forte”.
Um dos maiores desafios enfrentados pela equipa foi o processo de montagem, dado o vasto volume de material recolhido. Para garantir que reviver as experiências não fosse demasiado traumático, o apoio de psicólogas foi essencial para acompanhar as mulheres durante o processo de gravação.
Embora vários homens também tenham partilhado as suas histórias com Terribas, a escolha de centrar a série nas mulheres deve-se à particular vulnerabilidade das numerárias auxiliares, uma figura pouco conhecida dentro da organização. Estas mulheres, que se dedicam a tarefas domésticas e manuais, vivem em centros do Opus Dei e são sujeitas a um controlo absoluto das suas vidas. “São celibatárias, entregam todo o seu dinheiro ao Opus Dei e são responsáveis pela gestão dos centros. A realidade é muito diferente para os homens, que têm profissões independentes, como advogados ou professores. Muitos são numerários e nem sabes que o são”, explicou.
Fátima Navarro, uma das principais protagonistas, foi numerária auxiliar entre 1988 e 2008. Confessa que a participação no projeto da Max foi doloroso, mas, ao mesmo tempo, trouxe-lhe felicidade. “Recuperei partes de mim que tinha enterrado porque me faziam sofrer. Curei feridas que pensava que já estavam fechadas, mas que, na verdade, ainda estavam abertas”, explicou no mesmo programa.
Durante 20 anos, a organização afastou-a da família e submeteu-a a um controlo total. Quando entrou no Opus Dei, era uma mulher “com muita alegria”, mas saiu de lá traumatizada. “A minha irmã gémea adoeceu e a minha mãe queria que saíssemos de Torrejón porque o ambiente lá era muito negativo”, começa por explicar no “La Ventana”.
“Ela começou a procurar escolas do Opus, e nós entrámos para estudar lá. Os meus pais decidiram que ficaríamos a viver nesse ambiente. Fomos depois para um centro em Roma, onde nos disseram que Deus nos chamava. Vínhamos de um ambiente cristão e disseram-nos que Deus nos tinha escolhido. Achava-me especial. Sentia-me valorizada e, por isso, entregava a minha vida a algo maior do que eu própria”, recorda a ex-numerária.
A série também toca nas acusações de tráfico humano que assombram a igreja. No documentário, as mulheres revelam como eram deslocadas de centro para centro, muitas vezes sem o seu consentimento e sem que as suas famílias soubessem. “Por um lado, aproveitam-se de contextos vulneráveis, seja a nível económico ou emocional. Por outro lado, há os próprios ambientes do Opus Dei: filhos de numerárias ou numerários que levam os outros de boa fé. A chave está no facto de, a partir dos 14 anos, ser-lhes dito para não contar nada aos pais, separando assim a família biológica da família do Opus Dei”, explica Terribas.
As jovens mulheres aprendem a não ter problemas pessoais e a dedicar a sua vida apenas a um propósito: servir Deus. “Quando estás cansada, não podes queixar-te a ninguém. Tens de seguir a tua rotina e respeitar as normas. Aprendes a dissociar a alma do corpo. Nunca te encontras a ti própria, porque se o fizeres, é aí que começa a crise.”
Tal como o jornalismo pede, Terribas quis ouvir os dois lados da história e, por isso, viajou até Roma para oferecer ao Opus Dei a oportunidade de participar no documentário, mas a organização recusou o convite. “Eles estão informados sobre o que é dito no documentário. O silêncio do Papa Francisco pode estar a chegar ao fim e talvez em breve surjam notícias sobre este tema. A minha obrigação como jornalista foi garantir que estas pessoas fossem ouvidas, mas a Igreja segue outros ritmos”, comentou.
O novo projeto da Max também explica o porquê de muitas pessoas não saírem da Igreja apesar dos abusos que possam sofrer diariamente. Os membros, principalmente as mulheres, ficam sem poupanças, não têm experiência de trabalho e apoio emocional. No caso de Fátima Navarro, a situação foi ainda mais complicada. “”A minha saída foi muito difícil, não só porque saí da organização, mas também porque saí do armário. Quando disse que ia sair, já tinha vivido várias crises, e na última calei-me. Quando percebi que sou homossexual e que não havia volta a dar, fui sincera. Mas deu-me uma grande tristeza, porque vivi com pessoas durante muitos anos e gostava imenso delas. Para tentar suavizar o impacto, fui para um centro durante um mês, num campo, com um sacerdote e uma numerária que me diziam que era antinatural, que era uma pervertida”, lamentou.
O processo de reintegração social foi árduo, mas as mulheres apresentadas no documentário conseguiram reconstruir as suas vidas e encontraram um novo propósito além da religião e devoção. Agora, o objetivo de Terribas é “salvar mais pessoas do Opus Dei”. “Há coisas que eles não sabem e que são reveladas no documentário”, garante.
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