Quando Frederico Silva, hoje com 57 anos, começou a praticar desporto, aos 10, foi porque o pai assim o decidiu. Meteu-o no boxe porque a família vivia na Brandoa, “na altura, um bairro considerado difícil e perigoso”. Dois anos depois, por influência de um amigo, experimentou o karaté e nunca mais parou. Hoje é diretor-técnico da Fusões Academia.
Frederico nasceu em Angola e chegou a Portugal em 1974, com os dois irmãos e os pais, num processo normal que aconteceu a tantas famílias devido à descolonização. “Viemos logo para cá para a Brandoa, e os meus pais montaram um negócio de fotografia e foi aqui que crescemos”, conta à New in Amadora.
“Na altura, não havia nada na Brandoa, e eu ia a pé até ao Bairro Janeiro, para praticar karaté”. Com a sua dedicação à modalidade, foi somando vitórias e subindo etapas. “Tenho 16 títulos de campeão nacional, em várias vertentes, fui campeão da Europa de veteranos em 2015, sou 6.º Dan de karaté, que tem a ver com o número de cintos negros”, explica.
Aos 18 anos, deixou de ser apenas aluno e tornou-se também professor de karaté. “É algo que me dá muito prazer, poder motivar os alunos a crescerem e a superarem-se”, afirma. Ao mesmo tempo, entrou no antigo ISEF, hoje Faculdade de Motricidade Humana, para tirar de Desporto, mas teve de interromper por uma dupla fatalidade. “A minha mãe morreu de cancro e o meu pai, de acidente de automóvel algum tempo depois. Tinha 21 anos e precisava de trabalhar, porque tinha de educar os meus dois irmãos, mais novos do que eu”, revela. Acabaria por concluir a licenciatura mais tarde.

Karaté lúdico e de competição
A Fusões Academia Associação Cultural nasceu há 18 anos na freguesia da Encosta do Sol. “Juntei mais uns quantos professores, criámos uma direção e arrancámos”, sublinha, acrescentando que tem feito parte de várias direções, mas a sua principal função na coletividade é ser diretor-técnico e dar aulas.
Além do treino funcional com PT, a Fusões dedica-se aos desportos de combate e defesa pessoal. “Temos krav maga, karaté desportivo, karaté de competição, turmas de adultos e de kids e kombat fitness. Há muita procura, temos as turmas quase todas cheias. Nunca excedemos os 22 alunos por turma, para podermos ter um bom acompanhamento dos nossos alunos”, explica à New in Amadora.
A estrela da companhia fora do desporto de alta competição é o kombat fitness, uma prática criada pela associação, “que é treino funcional, mas com bases de karaté e de boxe, embora com a particularidade de não haver contacto físico”.
“Tem sido uma loucura. Temos duas turmas de kombat fitness e, no total, são 30 e tal mulheres e meia dúzia de homens. É uma forma de desconstruir essa ideia de que as artes marciais são desportos violentos, apenas para homens. Nada mais falso. Nesta modalidade tão procurada por mulheres, associámos o treino funcional, para melhorar a condição física e tonificar o corpo, mas não tem confronto físico, apesar de a base ser o karaté e o boxe”, reforça.
Frederico Silva quer também acabar com este estigma da violência associada a estes desportos. “Não é nada disso. As artes marciais na sua essência são o oposto da violência”. Por isso, cada vez mais pais, tal como o seu, colocam os filhos muito novos a praticar desporto.
“Muitos pais acham que miúdos são indisciplinados e que o desporto lhes dá regras, o que é verdade. E também há aqueles miúdos com baixa autoestima, que vão para a Fusões para aprender a defender-se, porque sofrem de bullying na escola”.
Os extremos acabam por tocar-se. “Até costumo brincar com isto, dizendo: um é o maior da rua dele, até perceber que na rua de cima há um maior. E aquele que na rua dele tem medo de todos, afinal percebe que na rua a seguir até consegue ter sucesso.”

Academia de campeões
Frederico não tem dúvidas: o karaté é “uma excelente forma de integração e sociabilização”, com carácter lúdico. Mas também a pensar na competição, até porque, diz o professor, “um bom karateca tem de começar cedo”.
“Para ter uma ideia, os meus melhores atletas — o Diogo Ribeiro, que é oito vezes campeão nacional, tem medalhas do circuito mundial, tem três taças de Portugal — e o Gustavo Oliveira — também sete vezes campeão nacional, também três taças de Portugal e quatro medalhas de WKF — são miúdos que começaram comigo aos 3, 4 anos e hoje são seniores”.
A Fusões tem, neste momento, quase uma centena de títulos de campeões nacionais federativos, com resultados homologados no karaté. Taças de Portugal, “tem já umas dezenas delas e ainda oito medalhas de WKF, ou seja, circuito mundial de karaté, a Fórmula 1 do karaté”. Depois, tem vários campeões da Europa em diversos estilos de karaté.
A associação “está bem e recomenda-se”, apesar da falta de apoios, e Frederico regista que “50% dos alunos da Fusões são da Brandoa, os restantes são dos arredores, Amadora e Odivelas”.
Todos os praticantes têm uma inscrição anual devido ao seguro desportivo obrigatório, cujo preço varia consoante o escalão e se é competição ou recreativo. “E depois há as mensalidades, que oscilam entre os 30 e os 45€ para atletas de competição, que treinam todos os dias e, às vezes, até têm treinos bidiários.”
“No kombat fitness, as mulheres treinam três vezes por semana e a mensalidade é 40€”, conclui. Frederico realça, porém, que “há vários alunos com necessidades que frequentam a Fusões de forma totalmente gratuita para evitar entrarem em mundos não recomendáveis”.
Completamente inserida na comunidade local, a academia e o próprio Frederico dão ainda apoio “com aulas e não só” à Associação Comunitária da Amadora para a Reabilitação Psico-Social (ACARPS), uma “instituição para doentes de foro psiquiátrico, em modelo de voluntariado”
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