Rua Dr. Abel Varzim. O Waze leva-nos até lá. É numa praceta da Colina do Sol que está localizada a AMA Dança. O GPS indica a chegada ao destino, mas da Academia de Dança nem sinal. Nem um néon, nem um letreiro mais discreto, nem uma simples indicação, nada. Naquela praceta só há prédios, parece que o Waze voltou a enganar-se. Só que não.
“É o número 1, 3 e 5, é um prédio absolutamente normal, em frente de umas construções amarelas, logo na entrada da praceta, Isto é uma cave e é por isso que não encontra. Já subo e já me vai ver”, explica Andreia Fernandes, 26 anos, a jovem que, há quatro anos, com mais sete amigas, fundaram o projeto.
A explicação é certeira. Número 5 e, sortudo, lugar à porta. Quando nos acercamos da porta do prédio, então sim, nem é preciso espreitar. Oito escadas abaixo, um letreiro grande e iluminado grita em silêncio: “Chegou ao seu destino”.
A academia conta com “mais de 150 alunos”, explica Andreia Fernandes, divididos em várias modalidades: ballet, barra de chão, dança contemporânea, danças de salão, Hip Pop, e, claro, Zumba e Pilates, os novos fenómenos obrigatórios em todos os projetos de movimento, sejam ginásios ou escolas de dança.
“Se eu pensar apenas no negócio, é óbvio que o Pilates e a Zumba são as modalidades mais lucrativas, as que têm mais gente e alunos mais velhos. Aqui temos duas turmas cheias, com 20 alunos cada, e está sempre a aparecer gente”, conta à New in Amadora.
Andreia não renega estas modalidades, nem se esquece do impacto que têm na mobilidade e elasticidade dos seus praticantes, mas nota que a AMA Dança “é uma academia de formação jovens para a dança”.
“Esse é o nosso foco. Pegar em meninos pequenos, ajudá-los a encontrarem a sua vocação, a crescerem enquanto crianças de uma forma mais saudável”.
“Quero ser astronauta”
A música é hoje, cada vez mais, uma escolha racional dos miúdos e dos pais. E os seus efeitos na sociabilização dos mais pequenos está provada.
Gustavo Paiva tem seis anos e espera por nós, sentado em cima de um colchão amarelo. Está impecavelmente equipado, apesar de “só ter vindo cá para falar consigo e para a foto”, conta a mãe, Susana. Gorro preto, T-Shirt da AMA Dança e blusão de xadrez. Cara de maroto, sorriso tímido. Não é só o sorriso, todo ele é timidez. “Não costuma ser assim”, explica a mãe, enquanto vai puxando pelo filho.
Gustavo sorri para as fotos — podia ser modelo, tal a forma como olha para a câmara. O pior é responder às perguntas. “Sim”, “Sim”, “Sim”. Por ele, a coisa estava despachava. Insistimos, ainda assim.
Não censuremos. Gustavo tem seis anos, apenas. Entrou na academia de dança há três anos. “Gosto muito de cá estar”, balbucia, e acrescenta que dança hip hop. “Gostas?”, perguntamos-lhe. “Sim”. E és bom? Silêncio. A mãe tenta ajudar. “Faz aí um daqueles movimentos de dança que tu fazes tão bem”, pede-lhe. Gustavo olha para a mãe, olha para a professora e olha para nós. Sente-se no zoo a ser observado de fora. Não faz qualquer passe de dança.
Com esforço lá lhe arrancamos que gosta “muito” de dançar, sobretudo por causa “da música e do movimento”. “Estou a aprender ainda”, diz a NiA. Os seus olhos apenas brilham mais quando lhe perguntamos sobre a professora Andreia. “Gostas dela?” O sorriso abre-se por completo: “Gosto muito, ela ensina-me muita coisa”. Baixamos o tom de voz, quase confessional, provocando-o: “A professora Andreia não está a ouvir agora: ela é muito chata?” Andreia finge tapar os ouvidos. Gustavo ri-se e diz. “Não, não é chata”.
A mãe, Susana Paiva, confirma. “O Gustavo não gosta da Andreia, é apaixonado por ela. A paixão dele é a Andreia. Ela é super carinhosa com ele e com os todos os miúdos, mas falo pelo meu filho”.
Gustavo, afinal, ainda tem qualquer coisa para dizer. Perdeu a timidez. “Quero ser astronauta”, revela, assim do nada. “Ai é”, perguntamos-lhe. “Porquê?”. “Porque sim”, responde. Ok, uma resposta tão válida como outra qualquer. Ainda lhe acenamos com o nome de Cristian o Ronaldo e com os milhões que ele ganha, mas o miúdo não se comove. “Não, astronauta”, repete.
“É verdade, ele nunca teve o sonho de ser futebolista. Sempre falou lá em casa em ser astronauta. Não sei de onde lhe veio isso, mas talvez do facto de, sendo filho único, estar sempre no seu mundo”, conta a mãe.
A dança tem sido “excelente” para o filho. “Noto uma evolução muito boa, mesmo a nível de coordenação, porque ele era um bocadinho descoordenado. E como se sente feliz por estar a conseguir evoluir, fica mais seguro e ganha autoestima”, explica.
De bebé a medalhada na Academia
“Ele veio para aqui de fralda e agora está um crescido”, intervém Andreia, que esteve sempre ao lado dos seus meninos. “Gustavo já foi o meu aluno mais novo, mas agora já tem seis anos, e temos meninos na turma do Gustavo que ainda têm quatro anos. Aliás, até há uma menina que ainda nem os fez”
Não é o caso de Leonor Matos, hoje com dez anos, mas que treina com Andreia há sete. “É uma relação de muita confiança. A Andreia ensina-me a não ficar preocupada antes dos espetáculos. Tira-me a ansiedade e sinto que tenho crescido muito e aprendido com ela”, conta à New in Amadora.
Leonor dança Contemporânea e Acrodance. Foi uma das alunas que veio com Andreia do projeto anterior, onde a profissional dava aulas, o Fusões Academia, que também tinha karaté. “Esse espaço ainda existe, só com o karaté e nós saímos e fundámos a AMA Dança há quatro anos. Os nossos alunos vieram connosco”, recorda.
Leonor foi uma delas. “É a nossa aluna mais nova a competir. Já ganhou umas coisinhas”, diz a professora, orgulhosa. A aluna fica subitamente mais tímida. “Ganhaste umas coisinhas? Então?”. Leonor sorri e responde: “Medalhas e prémios. Fomos a competições, eu dancei e os jurados escolheram-me”, resume, acrescentando ter ficado muito contente.
Aluna do 4.º ano, Leonor confessa não ser “muito boa” a Estudo do Meio e a História. Pelo contrário, ninguém a bate a Matemática. Pode vir a ser útil para contar os passos de dança. É que, aos 10 anos, Leonor já sabe bem o que quer ser.
“Quero ser bailarina profissional, para ir representar Portugal lá fora. Ir aos Jogos Olímpicos, é mesmo um objetivo meu. Mas sei que tenho de trabalhar muito. E vou”, promete.
“Há espaço para todos”
Andreia Fernandes tem muito orgulho no trabalho que, ela e as amigas, têm feito no seu projeto. “É bom saber que estamos a contribuir para a comunidade, e que estamos a alimentar os sonhos dos miúdos, ao mesmo tempo que a proporcionar-lhe saúde e bem-estar”.
Questionada sobre a quantidade de escolas de dança e de projetos congéneres na Amadora, a responsável, que é professora do 1.º ciclo e educadora, diz ficar “muito contente”.
“Há espaço para todos”, diz à NiA. “É um sinal de que a dança passou a ser encarada como uma coisa boa para as crianças. E já não é essa coisa de antigamente que dançar é coisa de meninas. Hoje temos muitos meninos a dançar e, por isso, a procura aumentou muito”
As redes sociais e o acesso, cada vez mais cedo, das crianças à Internet e aos vídeos do TikTok, onde veem coreografias e movimentos que tornam, em minutos, perfeitos desconhecidos em estrelas virais, ajudou à disseminação da dança.
“E, além disso, os pais percebem que a dança é um ótimo contributo para o crescimento social das crianças, porque lhes desenvolve a postura, a interação, a autoestima”.
O ballet, outrora uma das modalidades clássicas mais procuradas, “perdeu um bocado de expressividade”. “Temos ballet mas há muito menos alunos do que no Hip Hop, por exemplo. É a grande loucura, as nossas turmas enchem facilmente, porque estas culturas urbanas são muito divulgadas na Internet e sabemos como cada vez mais cedo eles têm acesso a essas realidades”.
A academia, cujo negócio está “a correr bem”, aceita alunos a partir dos três anos e funciona com o regime de mensalidades. A mais barata custa 35€ e permite aulas duas vezes por semana.
Para os mais ativos, há o livre-trânsito, que custa 60€, que permite o acesso a todas as modalidades sempre que os seus titulares quiserem.
“Independentemente das mensalidades, as pessoas podem aparecer quando quiserem para experimentar as nossas atividades”, convida Andreia. Mas já sabem: se encontrarem alguém de capacete, não estranhem. É o Gustavo a treinar para quando for grande.
Carregue na galeria para conhecer melhor a AMA Dança por dentro