Tinha cinco anos quando se lembra da primeira vez que pegou numa agulha de crochet. Não admira, havia muitas em casa. Era um utensílio tão comum como um pente em casa de barbeiros ou uma colher de pau, numa de cozinheiros. A mãe e a avó faziam tricot e crochet, por isso, naturalmente, Ana foi crescendo com essa curiosidade.
“Foi uma coisa tão natural, nem foi preciso pedir-lhes”, recorda à New in Amadora Ana Serra, 45 anos, autora do projeto Entre Agulhas, que criou há uns anos para começar a mostrar as coisas que fazia, mas ainda sem pensar que “um dia viveria disto”.
É o que acontece agora. “Nem sempre dá para viver desafogadamente, mas nos meses normais dá para os gastos”, reconhece. Viver disto significa viver do “crochet tunisino”. Perante o espanto da resposta, Ana ri-se e esclarece.
“A maior parte das pessoas faz-me essa pergunta. O crochet tunisino é um género de tricot ou de crochet tradicional. Ainda não é muito conhecido em Portugal, já foi menos, mas ainda é pouco, porque nós temos a tradição do crochet e do tricot tradicionais”, explica.
Ver esta publicação no Instagram
O crochet tunisino existe em força noutros países, como os Estados Unidos, Canadá ou Brasil. E na Tunísia, claro, acrescentamos com ar entendido. Ana sorri e abana a cabeça. “Não tenho a certeza disso. Na Tunísia, não sei. O nome tunisino está ainda envolto em algum mistério, porque não há propriamente provas de que tenha surgido ali”.
O que é, afinal, a técnica? “Não é crochet, embora se chame crochet tunisino, mas é uma técnica do mesmo género, em que se usa uma agulha e fio. Mas há grandes diferenças: no crochet tunisino usamos uma única agulha, como no tradicional, enquanto no tricot se usam duas. Quem já conhece estas técnicas, vai notar que há alturas em que parece que estamos a fazer tricot e outras fazer crochet”, explica.
Aos olhos de um leigo, na verdade, a distinção não é fácil. “Quem já tem alguma experiência, consegue, porque visualmente é um pouco diferente das outras duas”, diz.
Ana Serra já não pratica de forma profissional, a sua vida é mesmo ser designer de peças de crochet tunisino e ensinar os outros a aprender, através de workshops físicos e online.
“Comecei no crochet como todas as mulheres da minha geração”
Ana simplifica os primeiros passos. “Não há nada de estranho ou sobrenatural. Comecei, como muitas mulheres da minha geração, muito pequenina. Comecei a fazer com a minha mãe e com a minha avó. Talvez tenha começado a dar os primeiros passos antes de ir para a escola primária, por volta dos cinco anos”, conta à NiA.
E concretiza: “O que me seduzia era ver a minha mãe e a minha avó trabalharem. Aquilo para mim era muito normal e como eu tinha ali aquelas duas mulheres a fazer aquilo a toda a hora, até porque elas faziam peças por encomenda na máquina de tricotar, era para mim tão normal de aprender como apertar os atacadores”, exemplifica.
Foi fazendo perguntas, foi olhando para o lado, e repetindo. Desmanchando e fazendo de novo. “Fui tendo interesse, porque naquela idade o que eu queria era fazer aquelas coisas tão bonitas que elas faziam. Esse prazer foi crescendo em mim, mas de uma forma intermitente”.
Nem sempre o interesse no tricot se manteve vivo na caminhada de Ana. “Havia fases em que eu me desligava um pouco das técnicas, depois voltava. Mas nunca foi nada muito sério e consistente. Hoje é uma coisa mais consistente e séria, porque eu trabalho a tempo inteiro com crochet tunisino”, admite.
Na Entre Agulhas, a sua atividade principal (e mais lucrativa) é dar formação, através de workshops presenciais em retrosarias ou online — onde consegue ter 20 alunos de cada vez. “Além disso, sou designer de peças de crochet tunisino. Ou seja, crio peças, e depois o que é vendido são as instruções num site onde se concentram várias receitas da indústria da moda. São documentos digitais para as pessoas seguirem em casa”, diz esta mulher, uma espécie de “Burda” dos tempos modernos [a piada não está ao alcance de todos — a “Burda” era a referência das revistas de costura, quem a seguia ou quem tinha em casa quem a seguisse, sabe bem do que falamos].
“Eu vivo disto, mas não dá para ter uma vida muito confortável”, confessa, entre risos. “É uma área em que dar aulas compensa. É o que compensa mais. Vender as ditas receitas, não, exatamente. Cada receita tem um valor médio entre 8€ e 10€, portanto temos de vender um volume grande. Nos meses em que consigo fazer mais workshops, consigo viver razoavelmente bem”, admite à New in Amadora.
O próximo workshop está marcado para setembro. “Há preços a partir dos 40€, para cursos de cerca de três horas. As pessoas saem completamente aptas a fazer uma peça”, conta.
Apesar de hoje viver no vizinho concelho de Odivelas, para onde se mudou quando se casou, tem a Amadora a correr-lhe nas veias. “Vivi na Amadora até aos 26 anos. Andei sempre dividida entre a Reboleira e o Bairro Janeiro. Cresci com a minha avó, que morava no Bairro Janeiro, e fiz a minha escola lá, e depois na Reboleira. O meu marido também trabalha na Amadora, continuo a ter cá família. As minhas raízes são de cá”.
Carregue na galeria para conhecer alguns dos produtos em crochet tunisino feitos pelas alunas dedicadas.

LET'S ROCK







