na cidade
ROCKWATTLET'S ROCK

De bairro problemático às Nações Unidas: como o Zambujal deu a volta ao estigma

Situado na freguesia de Alfragide, é um exemplo de superação e chegou a embaixador dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Às vezes, o preconceito é quase tudo. Quase. Que o digam os habitantes do Bairro do Zambujal, um bairro social da freguesia de Alfragide, situado nas traseiras do IKEA. O bairro começou a ganhar forma nas décadas de 70 e 80 com o Plano Integrado do Zambujal, um projeto de urbanização para realojar famílias que viviam em bairros degradados. O bairro, localizado entre a Amadora e o concelho de Oeiras, em Alfragide, foi concebido como um bairro social para alojar milhares de pessoas e, ao longo do tempo, integrou habitação económica, cooperativa e de venda livre. 

Com elas vieram também o preconceito, que casos como os Odair Moniz, residente no bairro, e morto pela polícia, na Cova da Moura, em 2024, ajudaram a adensar. Mas há quem continue a lutar contra o destino, e não aceite a inevitabilidade de uma vida marcada pelo estigma e pelos dedos apontados.

Essa missão já começou há algum tempo, mas conheceu o seu apogeu esta quarta-feira, 22 de outubro, com a inauguração oficial do projeto Zambujal 360, o primeiro bairro social do mundo embaixador dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Um projeto pioneiro que faz da sustentabilidade o centro da ação comunitária, assente em três eixos fundamentais: comércio local – fortalecimento da economia do bairro e promoção de negócios sustentáveis; educação pela saúde – promoção do bem-estar físico e emocional através da atividade física e educação pela arte – criação de uma galeria de arte urbana com 17 murais dedicados aos ODS, que atuam como agentes de mudança social e reforçam o sentimento de pertença local.

Na cerimónia pública, “celebrou-se o compromisso do Zambujal com um futuro mais justo e sustentável para todos”, sublinhou o presidente da Câmara Municipal da Amadora. “O projeto tem-se revelado um verdadeiro catalisador de mudança na forma como o Zambujal se relaciona com o exterior. Se antes, o fluxo era predominantemente unidirecional – com os moradores a saírem para trabalhar -, hoje assiste-se a um movimento inverso fascinante: pessoas de toda a cidade da Amadora, e até de fora dela, visitam o bairro, curiosas por conhecer este projeto. Esta abertura é, em si, transformadora. Cada visita, cada novo olhar sobre o Zambujal, desconstrói preconceitos e constrói pontes”, afirma Vítor Ferreira.

O projeto Zambujal 360 é promovido pela CAZAmbujal e pela Ad Gentes – Associação Leigos Missionários da Consolata, “duas associações essenciais para este processo e têm desenvolvido um trabalho dedicado no contexto do acordo com as Nações Unidas, contribuindo para transformar o estigma em novas oportunidades.

O presidente da Ad Gentes – Associação Leigos Missionários da Consolata, fundada em 2008, que tem um trabalho social assinalável no Zambujal, mas não só. Os missionários do Zambujal vivem no bairro desde 2002, e nós, os membros dos Leigos Missionários da Consolata, fomos também para lá trabalhar. Começámos com alfabetização de adultos, apoio escolar, muitas atividades”, conta Mário Linhares, 45 anos, à New in Amadora.

O responsável não nega o estigma de que o bairro é vítima, mas esclarece que houve momentos altos e baixos. “Na verdade, mais do que um bairro estigmatizado, o bairro do Zambujal sempre foi invisível. As pessoas não sabiam bem que bairro é este, quem vivia lá. A maioria dos seus residentes é migrante portuguesa, é gente que veio de Trás-os-Montes, das Beiras, do Alentejo nos anos 70, em busca de melhores condições de vida”.

Um bairro aberto à comunidade exterior e às escolas

Mário Linhares admite que “os anos 80 e 90 trouxeram uma nova perceção do bairro, com o problema da droga que andou muito por toda a cidade de Lisboa, ali também se manifestou”. “No último ano, o bairro ganhou um estigma maior devido à morte do Odair Moniz e dos fenómenos de violência nos dias que se seguiram, aqui no bairro e também na Margem Sul”.

Hoje, acredita que o cenário está melhor, apesar de continuar a ser um bairro social. Linhares diz à NiA que “este projeto ajuda a abrir o bairro. Um dos grandes objetivos deste projeto de tornar o bairro o primeiro bairro cumpridor dos ODS é haver um motivo para as pessoas entrarem, porque se não ninguém viria cá”.

A ideia principal do projeto foi criar uma galeria de arte urbana ao ar livre, com 17 obras representativas dos grandes objetivos das Nações Unidas e, por esse motivo, “professores que têm estudantes e que querem falar do trabalho das Nações Unidas na sustentabilidade, sabem que o Bairro do Zambujal é o único bairro onde os professores podem levar os seus alunos.”

E isso já está a acontecer, garante à NiA Mário Linhares. “Na semana passada, por exemplo, tivemos 120 alunos no Zambujal, vindos de um colégio de Lisboa, para percorrerem o bairro. Correu muito bem, foram muito bem recebidos e havia um grande orgulho dos residentes do bairro. Esse orgulho ajuda a acabar com esse preconceito”.

O presidente da CAZambujal, a outra associação responsável pelo projeto, afina pelo mesmo diapasão. “É um orgulho para nós, que estivemos por trás deste projeto, mas sobretudo para as pessoas que moram no bairro”.

Vitor Monteiro sublinha que o objetivo com este projeto é “contar histórias de gente como nós, de homens e mulheres que vivem aqui e que têm histórias incríveis de superação”.

“Esse é o orgulho das pessoas, que se sentem valorizadas com esta arte urbana e que são um bairro social com o selo das Nações Unidas”, diz à New in Amadora, o dirigente que vive há 48 anos no Bairro do Zambujal.

“Muitas das vezes, o estigma que existe é generalizado e não só no bairro. Se for à Cova da Moura, também há esse estigma. O que vem cá para fora é sempre o negativo, mas seguramente, 90 por cento das coisas que se passam aqui no bairro são positivas. A nossa preocupação é valorizar as pessoas honestas que fazem parte do bairro, que são gente de trabalho”, conclui.

Os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU

Para quem não está familiarizado com esta temática, é bom saber o que são estes objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) e de que forma impactam diretamente a vida das populações em todo mundo.

Tratam-se de 17 metas globais que visam um futuro mais justo, sustentável e próspero. Eles são: Erradicação da Pobreza; Fome Zero e Agricultura Sustentável; Saúde e Bem-Estar; Educação de Qualidade; Igualdade de Género; Água Potável e Saneamento; Energia Acessível e Limpa; Trabalho Decente e Crescimento Económico; Indústria, Inovação e Infraestrutura; Redução das Desigualdades; Cidades e Comunidades Sustentáveis; Consumo e Produção Sustentáveis; Ação Contra a Mudança Global do Clima; Vida na Água; Vida Terrestre; Paz, Justiça e Instituições Eficazes; e Parcerias e Meios de Implementação. 

Carregue na galeria e veja algumas das obras do Bairro do Zambujal.

ARTIGOS RECOMENDADOS