Teresa, 53 anos, trabalha com miúdos há três décadas, como ajudante de Ação Educativa. Natalina, 55, foi comercial do ramo automóvel. Gabriela, 72, é reformada de um gabinete de contabilidade. Maria João, 60, foi cuidadora dos pais. Isabel, 63, é formadora do IEFP e licenciada em Direito. Elsa, 47, funcionária de uma empresa de contabilidade. O que têm em comum estas mulheres da Amadora (e arredores)?
As seis integram o Arte na Vila, um grupo de 24 artesãs que se foram juntando de forma espontânea, na Damaia, há quatro anos e que todas os meses, no terceiro fim-de-semana, organiza a feira com o mesmo nome no Largo da Igreja, na freguesia de Águas Livres.
“Começámos apenas duas — eu e a Natalina — e hoje somos 24”, conta à New in Amadora Teresa Mascarenhas, a congregadora de vontades. “Não sou presidente de nada. Elas dizem que sou a mentora, até aí ainda vou, mais do que isso já não”, diz-se a rir, explicando que foi ela que pegou no projeto e que, em conjunto com Deolinda, o apresentou na Junta de Freguesia de Águas Livres. “Tivemos um grande acolhimento por parte da junta, que nos tem apoiado muito e estamos muito gratas”.
A primeira feira feita no âmbito da Arte na Vila, na Damaia, aconteceu em agosto de 2021. Eram só duas artistas porque ainda não havia gente suficiente. Mas os residentes acharam muita graça e o grupo foi crescendo. “Em setembro já éramos sete, em outubro éramos 10”, conta a “mãezinha” Teresa, que trata do grupo com orgulho e das suas meninas com grande dedicação.
Algumas delas, Teresa já conhecia, porque já tinham convivido na Feira do Fumeiro e em alguns bazares de Natal, mas outras juntaram-se de forma natural. “No grupo há uma artesã que foi a um velório na Damaia, passou por ali e foi falar comigo e neste momento também já está no grupo”, conta divertida.
A maior parte das artesãs ainda não vive da sua arte. “Têm os seus trabalhos e nas horas livres fazem estas coisas e depois juntamo-nos nas feiras”. Deolinda, autora da página “As coisinhas da Babá”, é a única que já vive do artesanato.
Amizade sem concorrência
A New in Amadora juntou as seis este sábado, 7 de junho, na Feira da Porcalhota, no Parque da Mônica, na Falagueira-Venda Nova, que termina ao fim do dia deste domingo, 8. À mesa, numa zona de sombras do parque de homenagem a uma das figuras icónicas da BD, a Turma da Mônica, e ao seu autor, o brasileiro Maurício de Sousa, as seis artesãs acabam de comer frango assado trazido por Teresa de uma churrasqueira da Damaia. “Já comemos e não pagámos”, diz, divertida Gabriela, a mais velha — e “tagarela” — do grupo.
Não são concorrentes, são amigas e partilham da cumplicidade e da entreajuda que foram construindo ao longo dos anos. “Todos cabem. Qualquer pessoa que leia esta reportagem, que tenha algum gosto por artesanato, algum talento, pode vir ter connosco e juntar-se ao grupo. Não tem de morar na Damaia”, acrescenta Teresa, dona da marca Sorrisos com Arte e que há 30 anos trabalha com miúdos.
“Aquele logótipo que tenho na página foi uma criança que desenhou para mim. Sou eu”, ri-se a “mãezinha” do grupo, ela própria mãe de dois filhos: Diogo, com 26 anos, e Mariana, com 21.
Teresa conta que sempre teve a paixão pelos trabalhos manuais. “A minha mãe é costureira e o meu pai era marceneiro. Portanto, nasci numa oficina de talento, como costumo dizer. Quando tinha sete ou oito anos, já estava sempre de volta da minha mãe, fazia os cachecóis com as agulhas e a minha mãe depois fazia as costuras finais”.
Teresa recorda-se de se ter “picado muitas vezes, mas isso faz parte do processo”. “O pai tinha o prego e o martelo e a gente ia lá e dava marteladas no dedo. Enfim, é o normal. Quem nunca?”.

A ajudante de Ação Educativa morou sempre na Damaia, esteve ligada ao desporto, foi jogadora de futsal no Ginásio da Damaia, e de andebol no Liceu Passos Manuel. Depois foi trabalhar na instituição onde ainda hoje permanece e, há 21 anos, durante a segunda gravidez, aplicou-se mais a fundo no artesanato. “Comecei a fazer aquelas feirinhas para os pais dos alunos, que gostavam muito das coisinhas que eu fazia, e decidi apostar a sério nisto.”
“Tenho muita coisa em feltro, que é um material que gosto muito de trabalhar. Também faço bijuteria: compro fio e faço as minhas peças. É tudo feito por mim. E como trabalho com miúdos, a maior parte dos artigos são virados para os mais novos, para a decoração infantil, tenho jogos didáticos que os pais adoram”, revela à NiA.
A Sorrisos com Arte tem peças desde 2€. “As mais caras que tenho são precisamente os jogos didáticos, a 20€. Tudo costurado por mim. Por exemplo, se o alguém chegar aqui com a fábula ‘Os Três Porquinhos’, faço todos os elementos em feltro para trabalhar a história. Os livros didáticos são feitos com folhas em feltro colorido, para os meninos aprenderem.”
Teresa Mascarenhas rentabiliza bem o seu tempo. “Há quem vá no comboio a ler ou a ver as redes sociais no telemóvel, eu vou a costurar. E, na hora do almoço, a mesma coisa. Às vezes, até se metem comigo e acho maravilhoso. À noite, depois de arrumar a cozinha, não vou para o telemóvel, fico a relaxar a fazer aquelas coisinhas”, explica. “Se tivesse vida e dinheiro para isso, virava artesã a tempo inteiro”, acrescenta.
Cada uma com a sua arte
As seis amigas, cujas bancas podem ser visitadas ainda hoje, têm artes complementares: além de Teresa, que trabalha o feltro e a bijuteria, “a Natalina trabalha muito os tecidos para fazer bolsinhas, a Gabi também faz artesanato, macramé e bijuteria, a Maria João aposta nas velas e no gesso perfumado, a Isabel também faz coisas variadas, sacos, panos e objetos, a Elsa também trabalha muito bem os tecidos”.
“Também temos quem faça comida, doces maravilhosos, portanto, temos um conjunto variado de talentos. Somos todas umas grandes empreendedoras”, resume. “Claro, somos mulheres”, enfatiza Gabriela, perante a risada geral das amigas.
Teresa confessa sentir “um grande orgulho de ver este grupo a crescer e com elas super motivadas”, enquanto deixa escapar uma lágrima de emoção. “Sou muito chorona, elas sabem, mas é uma grande alegria. Era o meu sonho. Eu sempre disse que queria criar o meu negócio e ter uma tendinha. Aqui está ela.”
Natalina foi a primeira companheira de caminhada de Teresa. Foram ambas que deram início ao projeto Arte na Vila, embora Natalina, hoje com 55 anos, tenho participado na sua primeira ferinha em 2012.
“Quando o BPN estourou, a empresa onde eu trabalhava como comercial, que fazia parte do grupo, fechou e fomos para casa. E eu fazia umas coisinhas de artesanato para oferecer aos amigos e familiares nos anos e no Natal”, recorda à New in Amadora.
Um amigo que estava na Junta de Freguesia de Alfragide na altura telefonou-lhe e perguntou se ainda se dedicada às peças de artesanato. “Eu disse que sim, ainda mais naquele momento que estava em casa, e ele convidou-me para fazer o mercado de Natal”. Hoje é autora da página “As coisinhas da Babá” e vive do artesanato.
Gabriela Silva faz 73 anos no dia de Santo António. “Mas não nos apressemos, ainda tenho 72”, brinca. Natural de Angola, por lá tirou “o curso de formação feminina”. “Foi aquilo que eu sempre gostei: desenho, trabalhos manuais, bordados”. Depois do curso, começou a trabalhar num gabinete de contabilidade. “Não tinha nada a ver, mas eu precisava de ganhar o meu dinheiro”, justifica.
Gabi, como gosta de ser tratada, casou-se com o pai da filha, que tinha “lojas de comércio” em Lisboa. “Ele partiu cedo e, quando ele morreu, eu fiquei com as lojas. Um bocado desamparada, a minha filha tinha 4 anos, e eu comecei a fazer bijuteria para as montras da loja. E foi assim que tudo começou”. Na sua banca, a Gabijuteria, continua a fazer bijuteria e agora também macramé. “Isso é que tive de recordar como é que se fazia, porque tinha aprendido em Angola há muitos anos”.

Maria João Coelho, 60 anos, tem a tiracolo uma mala com letras vermelhas bordadas que dizem Big Daddy. “Uma homenagem ao meu paizinho, que morreu há um mês”, explica. Veio parar à Arte na Vila graças a Isabel Figueira da Silva, que é formadora no IEFP.
“Conhecemo-nos numa aula de teatro na Casa do Artista. As minhas artes são a reciclagem de ceras, que me permitem fazer velas personalizadas. Cortava-me o coração deitar fora aqueles restos de velas que ficavam depois de elas arderem e comecei a reciclar. Numa formação no IEFP em que era formanda, decidi fazer uma dessas velas personalizadas e aqui a senhora doutora [risos] gostou tanto e convidou-me para a Arte na Vila”. Montou “As coisas da Bunny” e vende online e nas feirinhas.
Isabel confirma a versão de Maria João. “Aliás, eu sou conhecida por desencaminhar pessoas. Adoro desencaminhar e tenho desencaminhado bastante durante a vida. Alguns não se deixaram desencaminhar e o que sei da vida deles é que foi a pouca sorte tiveram”, brinca.
Licenciada em Direito, exerceu advocacia durante dez anos. “Depois deixei de ter pachorra para juízes e advogados, e troquei pela formação profissional. Isto é um escape fantástico. Comecei a fazer prendinhas personalizadas para os amigos, sempre se poupava algum dinheiro. E depois, conheci-as e juntei-me a elas com a minha marca, a Maria Botão”, resume.
Elsa Bonito, autora da página Ponto Bonito, 47 anos, é a prova do ditado popular “Fecha-se uma porta e abre-se logo uma janela”. “Também fiquei desempregada e comecei a ver vídeos na Internet para ver o que podia fazer dentro das minhas competências e houve um dia que decidi colocar-me à costura”, sublinha. E de ponto em ponto, coseu uma vida nova, ao mesmo tempo que se perde entre IVA e IRC no gabinete de contabilidade em que trabalha.
Carregue na galeria e conheça “mamã Teresa” e suas meninas.