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Mariana e Hélder estão há dois anos a tentar engravidar. Já gastaram 16 mil euros

O casal da Amadora tem uma angariação de fundos a decorrer na Internet, que já ultrapassou os três mil euros.
O casal está junto, mais unido do que nunca, nesta batalha.

Mariana Monteiro, 28 anos, aprendeu a lição mais dura da sua vida. Ao fim de dois anos a tentar engravidar, ao lado do companheiro, Hélder Varela, 29, aceitou-se como é: uma mulher infértil, que tem feito de tudo para conseguir cumprir o sonho de ser mãe.

Sofreu muito — e ainda sofre — mas tomou uma decisão irreversível: “Q partir de agora, não vou ter mais problemas em aceitar-me como sou. Não vou ter pena de mim, nem permitir que tenham pena”, garante à New in Amadora esta angolana, que quer contribuir para a “mudança de mentalidades”.

“Se este sofrimento, se esta luta que temos vivido enquanto casal para engravidarmos ajudar a consciencializar as pessoas, já será uma coisa boa. A sociedade está mais evoluída, mas ainda sabe pouco sobre isto. As pessoas têm de ter noção que há sempre muitas razões por trás das decisões que as pessoas tomam. Uma mulher pode não ser mãe porque ainda não chegou a hora, ou porque não quer e está tudo bem — não é menos mulher por causa disso — , mas também pode ter esse desejo e não conseguir engravidar. E quando se ouve esta resposta, a conversa tem de seguir normalmente, sem outras perguntas, que são altamente penalizadoras para quem as ouve”, prossegue.

Mariana não poupa elogios ao namorado, que conhece bem. “Já tinhamos namorado há dez anos, depois separámo-nos e há três voltámos a encontrarmo-nos afetivamente”.

“O Hélder tem sido um grande apoio, tem sido incrível, incrível, incrível. Apesar de sermos um casal unido, somos africanos. E, infelizmente, na cultura africana o normal mesmo são as mulheres terem muitos filhos. É difícil fixar esta ideia de que há mulheres que não podem ter filhos”, conta Mariana, que nasceu em Angola, enquanto o companheiro é cabo-verdiano.

As dificuldades de todo o processo, feito de avanços e recuos, expetativas, dramas, tratamentos, esperanças, desilusão, gravidezes, perda de bebés, depressão e uma tentativa de suicídio, tiveram um efeito momentâneo de afastamento do casal.

“Sim, era inevitável. Todo este processo é extremamente penoso, cansativo e desgastante para o casal e é natural que tenha havido um momento de algum deslassar da relação, que felizmente, está ultrapassado”, recorda Mariana, que reconhece que no auge dos tratamentos “estava intratável, sem paciência para nada nem ninguém, impossível de lidar, por causa da compensação hormonal”.

“Tivemos ali uma altura em que o Hélder chegou a sair de casa durante duas semanas, mas recuperámos e voltámos a estar muito unidos e com muito desejo de sermos pais”, diz, garantindo que todo o sofrimento os aproximou muito. Vamos continuar a lutar e não vamos desistir, apesar deste inferno”.

Tudo o que havia para correr mal, correu

A primeira partida que o corpo de Mariana lhe pregou foi em 2020. “Por causa de uma torção de ovário, retirei, numa cirurgia de urgência, o ovário esquerdo e a trompa esquerda”. Nada que os médicos achassem que poderia impedir o sonho de Mariana de ser mãe.

Quando se voltou a juntar, o casal começou a tentar engravidar em 2023. “Foi nesse ano que começámos os tratamentos. Eu já sabia que ia precisar de ajuda, pelo facto de ter tirado o ovário e a trompa, e o ovário que tinha ficado, ser policístico”, afirma à NiA.

Mariana e Hélder estavam financeiramente bem, resultado das suas carreiras profissionais bem-sucedidas: “Eu era assistente executiva de um conjunto de empresas de investimentos imobiliários e o Hélder era jogador profissional de futebol na B SAD”, a sociedade anónima desportiva criada a partir da divisão do histórico Belenenses.

A jovem angolana desenrola, com grande serenidade, o novelo intrincado dos avanços e recuos clínicos. Fá-lo de uma forma cronológica, até particularmente esmiuçada sobre a intimidade, que habitualmente os casais, e sobretudo as mulheres, guardam para si. Mas prefere ser transparente, porque só assim é possível alcançar o objetivo da consciencialização para a temática.

Hélder esteve sempre ao lado da companheira.

“Os médicos sempre disseram que era possível engravidar. Ia ser difícil, mas não havia qualquer impossibilidade biológica. Começámos os tratamentos em 2023, fizemos a estimulação e a primeira transferência em dezembro de 2023”, lembra.

O tratamento não resultou: Mariana não ficou grávida e o casal foi recomendado a fazer uma pausa, antes de retomar os tratamentos. “Já íamos preparados para essa eventualidade, porque, sendo um processo complicado, é normal nem sempre resultar”, explica à New in Amadora.

Acompanhada na Ginemed Malo Clinic, voltou aos tratamentos em janeiro de 2024, mas um mês depois, “após uma relação sexual”, teve um problema no útero. “E porque é que eu conto uma coisa tão íntima? Porque é importante que as pessoas falem disto e que saibam que nas relações sexuais, muitas vezes, por causa das posições e dos movimentos ‘vai para a frente, vai para trás’, isso pode acontecer”, relata.

Após essa relação sexual, voltou a sentir muitas dores. “Às nove da manhã, como não aguentava as dores, fui para o Santa Maria e a equipa de médicas e auxiliares que encontrei foi excelente. Fui operada de urgência. Tinha uma hemorragia ativa, por causa de um quisto hemorrágico que rebentou dentro da minha barriga e decidiram operar-me. No entanto, eles não conseguiram diferenciar o meu útero do meu intestino, porque estava tudo tão colado, que eles não percebiam o que era uma coisa e o que era outra”.

Foi nesse momento que ficou a saber que tinha endometriose, uma inflamação nas paredes do endométrio, e cujo diagnóstico nunca lhe tinha sido apresentado. “Fui operada durante cinco horas e, quando acordo, dizem-me que o meu útero estava em muito mau estado e não ia aguentar muito mais tempo. O que a médica sugeriu é que eu avançasse logo para a FIV – fecundação in vitro. Nesta altura, eu ainda tinha uma trompa e um ovário”.

Como a situação era urgente, fez a recuperação da cirurgia e logo, um mês depois, iniciou a estimulação. “Mas de repente dizem-me que tenho uma massa no útero. Ninguém percebeu o que tinha acontecido. E além disso percebem que a minha trompa, a única que ainda me restava, estava dilatada”.

O veredicto no Hospital da CUF, para onde se dirigiram para uma consulta com um especialista espanhol, foi muito claro. “Disse-nos que não havia nada a fazer e que tinha mesmo de retirar a trompa. E assim fizemos. A operação correu bem e tivemos de fazer mais uma pausa”.

As boas notícias chegaram em novembro de 2024, quando da transferência de dois embriões resultou a tão desejada gravidez do casal. A boa-nova não deu tempo para comemorar. “Sabíamos que mesmo assim era um risco muito grande, e confirmou-se: os embriões pararam de evoluir e de crescer”. Tinham perdido os bebés.

16 mil euros gastos a tentar engravidar e tentativa de suicídio

Mariana e Hélder ficaram devastados, mas a jovem teve uma “péssima reação à morte dos bebés”. “Caí numa depressão profunda, um mês depois tentei suicidar-me, tive internada novamente no Hospital de Santa Maria”.

No meio de todo este drama, já tinham gastado 16 mil euros em cirurgias, medicações, consultas e exames específicos. Profissionalmente, as coisas tinham mudado muito. E financeiramente, também.

“Tive de sair do meu emprego, porque tinha uma responsabilidade muito grande e não conseguia acompanhar tudo. Fiquei parada durante seis meses, simplesmente focada nos tratamentos, o que também me deitou muito abaixo. Perdi a minha rotina, era uma pessoa muito trabalhadora, muito focada, fiquei trancada em casa”, descreve

O futebolista também deixou de jogar, terminando cedo de mais uma carreira que parecia promissora. “Ele teve lesões, mas foram sobretudo umas escolhas que fez que não correram bem”, revela Mariana, que acrescenta que o namorado se dedicou à Uber, montando a própria empresa.

Mariana e Hélder não perderam a esperança de serem pais biológicos. “Os médicos continuam a achar que é possível, através de FIV. Ainda tenho um ovário e eles conseguem fazer a implementação dos embriões. Retiram o sémen do Hélder, escolhem os espermatozoides melhores, juntam aos óvulos melhores que retiraram de mim e fazem a magia acontecer em laboratório”.

A jovem sabe que este é um caminho possível, mas que pode levar a um beco sem saída. “Nunca vou desistir de ser mãe. Cresci numa casa de acolhimento com 22 crianças. Fui lá colocada pela minha mãe aos 3 meses e saí aos 12 anos. Portanto, como calcula, a adoção é um assunto pacífico para nós. Há muitas crianças institucionalizadas à espera de alguém como nós, que quer ser mãe e pai e dar amor a quem não tem”.

Para já, porém, Mariana diz que “ainda não” se sente preparada para desistir da maternidade biológica. “Temos de ser pragmáticos. Estamos quase a esgotar as possibilidades. Já gastámos 16 mil euros e vamos avançar para uma nova fase de tratamentos, que vão custar mais cinco mil euros”, conta à New in Amadora.

Solidariedade comovente

O casal da Amadora, que vive na Damaia, tem a correr na Internet uma angariação de fundos na plataforma Gofundme, que já ultrapassou os três mil euros conquistados.

“Não fomos nós que criámos o founding. Foi a minha melhor amiga, juntamente com os amigos do Hélder. Decidiram criar a angariação e nós inicialmente não sabíamos. Quando soubemos, vimos que estava na Internet e ficámos muito comovidos”.

A operação começou no final da semana passada e a evolução das doações tem corrido de forma “muito bonita”. “Estamos estupefactos”, reconhece.

Para se ajudar e ajudar outras mulheres inférteis ou com dificuldade em engravidar, Mariana criou um grupo na Internet “para partilhar angústias, procurar soluções em conjunto”. “Juntei 40 mulheres em 24 horas. Trocamos abordagens, experiências, damos a conhecer novidades. E ao fazer isso, encontramos caminhos”, explica Mariana, que acrescenta que o grupo tem mulheres de “todo o mundo”. 

“Tenho meninas de África, Reino Unido, Finlândia, Portugal e Brasil. E está a ser muito bonito e, sobretudo, muito útil. Que a nossa história, ao menos, possa servir para ajudar outras pessoas em situações idênticas”.

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