Há três décadas que anda a pé, de um lado para o outro, a subir escadas de prédios sem elevador. Há 31 anos, quando fez 18, a mãe fez-lhe um ultimato. “A escola não era para mim, já tinha chumbado, e ela disse-me que tinha de me fazer à vida. Falou com um primo meu, que já trabalhava nos Correios, para me tentar arranjar uma posição de carteiro”, começa por contar Nuno Saraiva à NiA.
E arranjou uma vaga para poder fazer as férias ou as faltas dos colegas. “No início, estranhei, não gostei nada da ideia, mas a minha mãe insistiu”. Nuno também não desistiu e habituou-se à vida de carteiro, mesmo depois da morte do primo.
“Sou carteiro desde 1 de junho de 1994, ou seja, já fiz 31 anos de atividade. Tenho 49”, faz as contas. Nunca lhe tinha passado pela cabeça ser profissional dos Correios. Nada o chamava para ser carteiro, mas foi a solução encontrada.
“O início foi duro, porque não estava habituado a andar tanto tempo a pé. Ainda hoje, os giros são feitos a pé. Nunca andei de mota, ou bicicleta. Saco às costas e giros apeados”, conta Nuno, que nasceu no Bairro de Santo Eloy, na Pontinha. Há cerca de 10 anos mudou-se para a Amadora, para a Avenida do Brasil, precisamente uma das ruas que fazem parte do seu giro.
Como é que alguém que não tinha qualquer gosto em ser carteiro, aguenta 31 anos na profissão?, perguntamos. Nuno ri-se, encolhe os ombros e responde à NiA: “No início não gostava, mas aprendi a gostar. O contacto com o ar puro, a interação com a vizinhança, agora aprecio isso tudo. Detestaria ter um emprego que m obrigasse a ficar fechado num escritório, sem ver o sol.”
“Nesta profissão, ando todos os dias ao ar livre e isso agrada-me muito. E, depois, sendo carteiro aqui na Falagueira há 30 anos, já conheço toda a gente pelo nome e todos me tratam por Nuno. Sinto um grande carinho das pessoas, sou muito bem tratado. É como se fôssemos todos da mesma família”, sublinha à NiA.
Amigo dos vizinhos
Na Falagueira, há muitos prédios sem elevador, e quando vê os vizinhos mais velhos a acartar sacos de compras, Nuno dá uma ajuda. “Subo e desço muitos degraus. Quando é para entregar encomendas ou cartas registadas, tem de ser.”
Os vizinhos continuam a agradecer ao carteiro. “Sobretudo, os mais antigos, que já nos conhecem há muito tempo. Os mais novos dizem “bom dia, boa tarde”, e já é uma sorte. Mas penso que, hoje em dia, isto acontece com todas as profissões”.
Tem o carinho e o reconhecimento dos seus “fregueses”, não passa os dias fechado num gabinete e não se queixa do que ganha. “Podia ser um bocadinho mais, claro, mas comparando com o que agora pagam por aí… O meu ordenado base é 1.200€, descontando os impostos, ficam 900€. Depois, como temos os subsídios, e já com os descontos, levo para casa 1.150 / 1.170€ limpos. Há ordenados muito piores.”
Há empregos com salários mais baixos e menos cansativos. “Todos os dias, ando, pelo menos, 10 quilómetros, o que significa percorrer 50 quilómetros a pé, por semana. Chego a casa exausto, quando chega quinta-feira, as pernas já se ressentem do esforço. Ando sempre sozinho. De manhã, na estação dos Correios, enchemos os sacos de depósito, depois temos uns locais estratégicos, aonde vamos deixando o saco, e retirando apenas as cartas das imediações. Se não fosse assim, andávamos sempre com ele às costas.”
O Café Brasil, na avenida com o mesmo nome, é um desses pontos. “A Rosy é uma pessoa espetacular, sempre pronta para ajudar a comunidade”.
A pensar na reforma
Aos 49 anos, já começou a fazer contas à vida. “Só estudei até ao sétimo ano, mais 12 ou 13 de serviço e vou para a reforma. Já estou a pensar nisso, claro, tenho 31 anos de casa”, garante à NiA. Com um filho de 30 anos e uma filha de 26 (que lhe deu um neto há um ano e meio), — ambos de uma relação anterior —, não tem na descendência quem lhe siga o caminho. “Nenhum deles trabalha nos correios. Sempre lhes disse que tinham de ser independentes. Estão bem encaminhados, têm os seus empregos deles, fazem o que gostam”, assegura.
Nuno confessa que insistiu apenas para que concluíssem ensino secundário. “Para fazerem o 12.º ano e não repetirem os erros do pai”, sublinha. Cumpriram à risca os conselhos, mas decidiram não seguir para a universidade.
Separado da mãe dos filhos, Nuno tem uma companheira há quatro anos, mas garante que mantém uma boa relação com a anterior. “É tudo normal, até para o bem-estar dos nossos filhos”.
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