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“O meu dever é salvar vidas.” A história do homem que já impediu mais de 700 suicídios

Uma falésia com 25 metros de altura em Fukui, no Japão, é um dos locais mais procurados da região. Pelos melhores e piores motivos.

Um simples “olá” pode ter um impacto profundo. Esta é a saudação mais universal do mundo, a primeira que se aprende ao viajar para um país com um idioma desconhecido, mas a sua capacidade de transformação é inegável. Yukio Shige, um japonês de 79 anos, sabe disso melhor que ninguém: a saudação ajudou-o a salvar mais de 700 pessoas.

Shige dedicou mais de quatro décadas à carreira de detetive no departamento de polícia de Fukui e sempre residiu próximo de Tojinbo, uma imponente falésia de 25 metros, esculpida pelas furiosas ondas do mar do Japão. Reconhecida como monumento natural, esta formação geológica singular, com os seus penhascos irregulares e vistas espetaculares, é um dos destinos mais visitados da região.

Uma lenda local sobre o penhasco, conta que um sacerdote budista de um templo próximo era corrupto e deixou a população tão enfurecida que foi levado até Tojinbo e ali lançado ao mar. Embora esta história seja apenas uma lenda, a verdade é que o local já foi escolhido por centenas de pessoas que decidiram pôr fim às suas vidas da mesma forma. Contudo, algumas não chegaram a dar esse passo, graças a Yukio Shige.

O primeiro caso ocorreu em 2013, quando andava a percorrer a falésia e avistou um casal de idosos sentados à beira do precipício. Ignorando os seus planos sombrios, Shige juntou-se-lhes e iniciou uma conversa. Descobriu que estavam apenas à espera do pôr do sol para se lançarem juntos no mar.

Proprietários de um bar em Tóquio, revelaram que se encontravam endividados e sem qualquer esperança de encontrar uma solução para o problema. O ex-detetive convenceu-os a deixar o penhasco e a procurar ajuda. Infelizmente, cinco dias depois, foi informado que se tinham enforcado na cidade vizinha de Niigata.

Um ano após esse encontro, Shige fundou uma organização sem fins lucrativos (NPO) com a missão de evitar estes casos, numa nação que possui uma das taxas de suicídio mais elevadas do mundo. Desde então, a sua rotina permanece inalterada: quase diariamente, escala os penhascos de Tojinbo e, armando-se de binóculos, procura pessoas nas rochas distantes, pronto para oferecer consolo.

Após mais de duas décadas de esforços, Shige já salvou mais de 700 vidas. “O modo como ajudo é como se estivesse a lidar com um amigo. Não é propriamente emocionante: aproximo-me deles e pergunto como estão. Estas pessoas pedem socorro; só esperam que alguém se dirija a elas”, conta o ex-detetive ao “Los Angeles Times”.

Encontra sobretudo idosos, estudantes e pessoas em situação de sem-abrigo. “Misturam-se intencionalmente com os turistas, usando mochilas falsas ou carrinhos vazios e, ao anoitecer, quando não há mais ninguém, saltam”, explica.

Um dia deparou-se com uma adolescente de 17 anos sentada numa grande rocha, com uma expressão extremamente triste, que revelou estar sob pressão familiar devido aos estudos. A jovem foi uma das muitas que Shige conseguiu resgatar, encorajando-a a ligar aos pais e a partilhar os seus sentimentos — foi a 23.ª das 28 pessoas que salvou em 2017.

Para chegar até Tojinbo, muitos apanham um comboio para Fukui e, por fim, um autocarro. Costumam chegar quase sem pertences ou dinheiro, e passam horas sentados, sozinhos, à espera do pôr do sol, quando a multidão se dissipa. O japonês é também conhecido como o “homem chotto matte” (“espera um momento”, em português), que é a frase que utiliza para se aproximar das pessoas.

A história de Shige chamou a atenção do público em 2017, com o lançamento de um documentário no YouTube intitulado “The Gatekeeper”. “Ao patrulhar um popular destino turístico de penhascos íngremes no Japão, um detetive reformado observa, vigilante, as almas perturbadas que tentam saltar. A sua contagem de vidas salvas ultrapassa as 500”, descreve a sinopse. O produtor francês Blaise Perrin também lançou um documentário sobre o japonês, “La Ronde”, em 2018.

 

Em média, 24 pessoas cometem suicídio na falésia de Tojinbo por ano. É o segundo destino mais letal do Japão, apenas atrás da floresta de Aokigahara, que ganhou notoriedade quando o youtuber americano Logan Paul publicou um vídeo onde mostrava o corpo de uma aparente vítima de suicídio. 

O vídeo gerou controvérsia e acesas discussões acerca do direito à privacidade nas redes sociais, o que, inadvertidamente, trouxe popularidade mundial a Aokigahara.

Como lá chegar

Apesar de toda a tragédia, Tojinbo continua a ser um destino popular entre os turistas. Localiza-se a cerca de 45 minutos de carro da estação de Fukui, e o aeroporto mais próximo é o de Komatsu, situado a cerca de uma hora. Se partir de Lisboa, encontrará bilhetes de ida e volta a partir de 800€. Para quem viaja a partir do Porto ou de Faro, existem voos disponíveis desde 831€ e 856€, respetivamente.

Carregue na galeria para ver mais imagens destas impressionantes falésias, um dos monumentos naturais do Japão.

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