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O top model da Dolce & Gabbana e que é mecânico de bicicletas na Amadora

Miguel Vital tem uma carreira internacional como manequim. Acaba de abrir uma oficina de bicicletas com história na Falagueira.
Miguel adora bicicletas desde os 10 anos.

Altura: 1m88, busto: 93, cintura, 77, anca: 95, cabelo castanho, olhos verdes. É este o retrato robô do novo gerente da Oficina das Bicicletas, a icónica loja da Amadora, que reabriu as portas no domingo, 4 de maio, depois de dois meses e meio encerrada, na sequência do trespasse de que foi alvo.

A história é improvável — não é por isso que a contamos, mas convenhamos que tem mais graça. Qual a probabilidade de o novo gerente de uma loja e oficina de bicicletas, a mais conhecida da Amadora, localizada perto do Parque Aventura, ainda na freguesia da Falagueira, ser um ‘miúdo’ que aos 16 anos entrou no mundo da moda, é agenciado nos quatro cantos do planeta e é a cara de grandes marcas internacionais?

“Percebo o espanto”, concede Miguel Vital, hoje com 29 anos, à New in Amadora, mas “para mim é uma coisa tão normal, que nem tem discussão”. “Eu sou modelo e manequim, essa é a minha atividade profissional. As pessoas não são só uma coisa. Eu também tenho um mestrado em Arquitetura e desde miúdo que sou um apaixonado por bicicletas”, conta. Mas já lá vamos.

Ao seu lado, Luís Martins, 64 anos, que se juntou à conversa, a pedido da NiA, olha para o seu “discípulo” com orgulho. “A minha vida tem sido ligada às bicicletas desde pequeno. Posso dizer-lhe que aos oito anos já competia. Tive quatro lojas de bicicletas: a primeira foi em Caneças e depois mais três aqui na Amadora. Esta foi a última”, recorda.

Deixar o negócio a Miguel, diz, “é um descanso”. “É mais fácil para mim, confesso. Quando pus isto a trespasse, esperava de tudo. E a verdade é que logo no primeiro dia, recebi mais de 30 propostas, mas muitas delas era de gente que queria fazer deste espaço outra coisa, que não uma loja de bicicletas. Quando o Miguel se chegou à frente e disse que queria ficar com o negócio, não pensei duas vezes”, relata.

O primeiro encontro nas bicicletas

Recuemos a 2008. Foi nesse ano que Miguel conheceu Luís, embora “o senhor Luís não se lembre”. “Na altura, ele tinha a loja ali por cima dos bombeiros, nas arcadas a seguir ao túnel, e eu fui lá com a minha primeira bicicleta e com o meu pai”.

Miguel gostou do ambiente e a bicicleta ficou bem, obrigado. “Tornei-me cliente logo ali. Ao longo dos anos, ele foi uma espécie de meu mentor, sobretudo nestes últimos anos. Dos 12 até aos 16 anos, não me aventurava na mecânica, mas dava umas voltinhas e fazia os meus consertos com ele. A partir dos 16, é que comecei a explorar mais a mecânica e a resolver os problemas das minhas bicicletas, mas, de vez em quando, lá lhe telefona e perguntava: “senhor Luís, como é que se faz isto?”

Luís sorri e acena com a cabeça, em sinal de concordância. “Ia-lhe dando dicas. Eu via-o tão interessado, e sempre teve jeito para isto”. Miguel recorda, aliás, “as duas ou três tardes que ainda deu uma mãozinha ao amigo ali, naquela mesma loja, de que agora é gerente.

Miguel conheceu Luís quando tinha 12 anos. Hoje é o seu “sucessor”.

“A partir dos 25 anos, a nossa relação passou a ser mais próxima, até porque como vivo aqui muito perto, vinha aqui muito. Sempre tive o bichinho das bicicletas. E comprava bicicletas e vendia e comprava e vendia, para fazer algum dinheiro”, recorda à NiA. Quando Luís lhe contou que queria desfazer-se da loja, Miguel fez contas de cabeça e decidiu que queria avançar.

“O negócio era interessante para mim, achei que tinha todas as condições para o assumir. A loja é boa, tem cliente feitos, tem muito nome e história, o negócio é seguro. E depois há o lado emocional. Ser hoje o sucessor do Luís é um prazer enorme para mim, que conheci com 12 anos”, explica.

Apesar dos vários anos ligado às bicicletas e ao comércio e reparação, o comerciante não estava farto, confessa. “Precisava de mudar de ares, mas não estava farto. Esta é a minha vida, é isto que vou continuar a fazer, mas já nada me prende à Amadora. Moro em Loures desde os 27 anos e a única ligação que tinha à Amadora, além da loja, era a minha mãe, que morreu em fevereiro do ano passado. Foi por isso que decidi trespassar o negócio e mudar de ares”.

A passagem de testemunho

Concluído o negócio em fevereiro, a Oficina das Bicicletas esteve de portas fechadas nos últimos dois meses. “Tivemos de fazer obras, sobretudo na parte de baixo, para otimizar o espaço e não podíamos estar a trabalhar, a atender pessoas e com as obras a decorrer cheio de barulho”, justifica Miguel.

Ao longo desse período, muita gente lhe bateu à porta a perguntar se a loja tinha fechado e “a chamar pelo Luís”. “Ainda ontem, entrou um cliente aqui e que gritou lá para baixo: “Ó, Luís, preciso de falar contigo” [risos] A todos, tenho explicado que a loja mudou de gerência, que o senhor Luís me passou a loja, que é uma espécie do meu mentor”, conta. A inauguração aconteceu no domingo, 4 de maio.

O amigo concorda e adianta que ele próprio informou “todos os clientes” da mudança. “O Miguel é muito bom, as pessoas podem confiar. É uma pessoa séria, que gosta muito disto e, naturalmente, tem ideias novas, porque é mais novo do que eu”.

De facto, é verdade: Miguel Vital tem muitas ideias: “Melhorar a presença nas redes sociais, fazer tutoriais de arranjos de bicicletas, vender bicicletas, levar influencers à loja para fazerem compras”, exemplifica.

Continuar o legado de Luís é fundamental para o jovem, porque “se esta loja tem nome, tradição e clientes deve-se a ele”. “Seria uma estupidez desbaratar esse capital”, diz, mas adianta que quer apostar em dois mercados: o da venda de bicicletas em segunda mão e o mercada das bicicletas elétricas.

“São duas áreas em franco crescimento e que podem ajudar a desenvolver ainda mais esta loja”, diz. Porque, na Oficina das Bicicletas, além da reparação, vendem-se também acessórios, roupa, capacetes e todo o material para os amantes do mundo das bicicletas. “Cada vez há mais gente à volta das bicicletas, quer na competição, quer para utilização diária. E o mercado em redor deste mundo também se tem desenvolvido cada vez mais”.

O sonho da moda e a glória

Quase em fim de conversa, Miguel Vital levanta a ponta do véu. “A minha ideia é agora nestes primeiros tempos estar aqui na loja, mas depois é o Sandro, o colaborador que contratei, que vai ficar aqui a tempo inteiro, até porque eu tenho outra ocupação”.

Miguel é modelo desde os 18 anos. Foto: Karacter Agency

Quando acabou o ensino secundário, Miguel foi estudar Arquitetura. “Fiz licenciatura e Mestrado integrado e, ao mesmo tempo, conciliei com a minha atividade de modelo, que comecei aos 18 anos”, revela.

Modelo de catálogo ou de passerelle?, perguntamos. Miguel sorri e responde: “De tudo: manequim de catálogo, desfiles, fotografia, comerciais, televisão”. Os olhos brilham, mas parece subsistir uma certa resistência. Zero fanfarronice. “Se for à Internet e googlar o meu nome, Miguel Vital, vai encontrar alguns dos meus trabalhos”, sugere.

É então que se solta e abre o sorriso. “Estou agenciado em vários países: Itália, Espanha, Estados Unidos, e na Karacter Agency, em Portugal. Faço catálogos e trabalho para marcas muito conhecidas internacionalmente e por cá também”. Dolce & Gabbana, Ralph Lauren, Tifosi, Mike Davis, Sacoor, Perfumes e Companhias são algumas das marcas por quem dá a cara e o corpo.

E o que é leva alguém que tem uma carreira internacional de top model, que aparece na televisão, e em catálogos de grandes marcas, que ganha bom dinheiro, a ficar com a gestão de uma pequena loja de reparação de bicicletas na Amadora?

Miguel ri-se e responde com o ar mais natural do mundo. “É a minha paixão desde miúdo”. “Estou muitas vezes fora do país, mas como tenho muito tempo livre, porque esta profissão permite isso, e porque sou apaixonado por bicicletas, decidi que era interessante apostar neste negócio. É o meu hobby, e sempre foi um rendimento extra que tive”, explica.

Como é natural, o manequim tem as suas prioridades bem definidas. “O meu objetivo nunca foi desviar-me da moda, essa é a minha vida, e vai continuar a ser enquanto tiver trabalho. Mas ter um outro negócio na minha terra é uma ideia que me agrada e cá estou”, conclui.

Carregue na galeria para conhecer mais das duas facetas de Miguel Vital e a loja de bicicletas.

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FICHA TÉCNICA

  • MORADA
    Av. Cmte. Luís António da Silva 19A
    2700-201 Amadora

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