O que têm em comum José, Pedro, Alícia, Lucas, Abilena e Diogo? Têm todos entre sete e oito anos e são alunos do Ensino Básico nas escolas da freguesia da Falagueira-Venda Nova, na Amadora, cuja junta lançou no ano letivo 2021-22 o Projet.Ar.te, um programa com oito atividades extra-curriculares que cada escola do ensino básico escolhe no início do ano, em conjunto com os alunos, para desenvolver uma vez por semana. No fundo, é uma forma de aprender a brincar.
Alícia tem sete anos e é aluna do 2.º ano da EB1/JI Santos Mattos, na Venda Nova. Nunca tinha tido teatro na vida, mas conta à New in Amadora que está a adorar a experiência. No princípio, fala a medo, mas vai soltando-se à medida que a conversa decorre.
“Gosto de teatro, nunca tinha feito. Estou cá na escola desde o pré-escolar e não sabia que ia brincar ao teatro este ano, mas gostei da novidade”, diz, apesar de as palavras serem-lhe arrancadas a conta-gotas. No início, admite, “foi um pouco estranho”, até porque o teatro “não é aquilo que que normalmente se aprende na escola”.
O professor Diego Mendes conquistou a jovem aluna. “Gosto muito dele. É muito querido connosco, está sempre a brincar”, diz, enquanto enrola o cabelo, num jeito coquete que se vai adivinhando. “Tenho aprendido movimento, a falar com as outras pessoas, a focar-me, a concentrar-me mais e a perceber que temos de saber trabalhar em equipa”, acrescenta, com a ajuda da professora, que vai fazendo de ponto, em voz baixa, como que se não quisesse ser apanhada.
E mais tarde, achas que queres ser atriz? Todo o estilo de Alícia grita que não. A resposta não surpreende. “Não, quero ser modelo, não atriz. Não sou vaidosa, mas gosto de vestir bem”. Onde está, afinal a menina tímida que, dois minutos antes, quase respondia por monossílabos?
Ao seu lado, Lucas, de oito anos, provoca a amiga. “És um bocadinho vaidosa, és”. “Não sou nada”, responde-lhe Alícia, fingindo que está irritada. Lucas é brasileiro, está em Portugal com a mãe, e os avós. O pai ficou do outro lado do Atlântico.
O miúdo também não quer ser ator. Como qualquer rapaz da sua idade, sonha ser futebolista. Como Cristiano Ronaldo? A resposta é solta e com outra pergunta: “Eh pá, isso era top. Ter o talento e o dinheiro dele, já viste?”
Enquanto não chega lá, Lucas diz que está a adorar a escola e que gosta das aulas de teatro. Não, corrige. “Não gosto, amo. São as aulas de que mais gosto. Sinto uma grande felicidade quando estou a fazer isto”. E concretiza: “O professor Diego já nos explicou que o teatro ajuda-nos à concentração e a focarmo-nos no outro, porque ninguém trabalha sozinho”, diz à New in Amadora.
Alícia ouve e concorda. “Nós vivemos em grupo, porque se não ficamos solitários”, diz, baixando os olhos. Subitamente, há uma tristeza que a invade. Porquê, quisemos saber. “No primeiro ano, eu estava sempre a chorar porque sentia a tristeza dos meus pais estarem separados. O meu avô já morreu e eu era bebé. E isso fazia-me triste. Agora, vivo uma semana com a minha mãe e uma semana com o meu pai”, revela, com um ar muito adulto.
Depois, conta que quando tem de “pedir três desejos”, nunca falha: “Peço sempre que a minha mãe seja milionária, que eu tenha uma boa vida e que eles voltem. Mesmo que o meu pai já tenha uma outra namorada”.
E tu já tens, Alícia? “Tenho, há já um ano”, responde com naturalidade. E sem se deter. “Chama-se Diego também. Mas não é o professor”, avisa, não fôssemos pensar que estava de caso com o docente.
Lucas é mais pacato. “Eu não tenho namorada, sou muito novo para isso”, diz. Alícia não se contém e faz cara de zangada. “Mas sempre gostaste da Rebeca e de mim”, atira-lhe à cara. “Isso é mentira”, defende-se o rapaz. Ela bate-o por KO. “Tu sempre disseste que gostaste de mim por amor”. Parece o guião de uma peça de teatro, nem de propósito.
Oito atividades à escolha para brincar
O teatro é uma das oito atividades deste Project.Ar.te, destinado aos alunos do Jardim de Infância da Falagueira, da Escola Básica Artur Bual, do JI/EB1 M.I.L.A, na EB1/JI Santos Mattos e no JI/EB1 Terra dos Arcos. A dança, a pintura, a música, a fotografia, o xadrez e a mobilidade suave são os outros sete programas, escolhidos no início de cada ano letivo entre professores e alunos.
A atividade decorre numa hora por semana e é ministrada por um técnico voluntário de uma associação parceira da freguesia ou do concelho. “Tem sido um projeto de que nos orgulhamos muito, porque, no fundo todos ganham: as associações, os alunos, toda a comunidade educativa e a própria junta, porque consegue diversificar as atividades para as crianças da freguesia”, explica à NiA a presidente da Junta da Falagueira-Venda Nova, Rafaela Heitor.
O projeto tem corrido tão bem, “os alunos e os professores estão tão contentes”, que a autarca está já a pensar em acrescentar mais duas áreas. “Ainda não estão definidas, mas estamos a pensar numa atividade relacionada com a escola das emoções e do autoconhecimento e outra com o meio ambiente”.
A presidente da Junta tem a noção “de que os pais percebem a importância destes assuntos para os jovens”, mas lamenta que muitos encarregados de educação desconheçam que as escolas da freguesia tenham esta projeto.
“Noutro dia falei com uma encarregada de educação que me disse que o filho lhe tinha dito que naquele dia ia ter hip hop. E a senhora achava que era confusão. E eu lá lhe expliquei que uma vez por semana eles têm uma atividade extra, que escolheram em conjunto no início do ano”, conta.
Enquanto Rafaela Heitor fala com a NiA, José e Pedro, ambos com oito anos, e mais 15 colegas da mesma idade, estão no pátio exterior do edifício da escola, numa zona ainda assim abrigada. Chove de forma inclemente, mas nem assim o professor Diogo Francisco e os alunos se demoveram da aula de Mobilidade Suave. Estão todos entusiasmados, cada um com uma bicicleta e um capacete.
Estão excitadíssimos. Além da aula em si, sabem que vão ser fotografados, querem ficar todos no boneco e trouxeram autorizações escritas dos pais. Perfilam-se como uma equipa de ciclismo. “Está bem assim?”, perguntam a brincar. Mais para a esquerda, mais para a direita, juntem-se mais. Riam-se. Diogo comanda as tropas.
José e Pedro já sabiam andar de bicicleta, tinham aprendido com os pais, “mas há alguns amigos aqui da turma que não sabiam, e por isso estas aulas são importantes”, diz José. “Com o professor Diogo tenho aprendido a brincar, mas também a respeitar melhor os sinais de trânsito”.
O colega Pedro concorda. “Eu também sabia andar e os meus amigos também sabiam, mas há muitos meninos da nossa idade que se sentaram numa bicicleta e é importante que a escola também os ajude”, diz o jovem, que pertence ao terceiro ano do 1.º ciclo.
A música como catarse
Na Escola Básica/JI Terra dos Arcos, na Falagueira, a cinco minutos da Venda Nova, Abilena e Guilherme estão em pleno movimento. Eles e mais os restantes 15 colegas da turma do 2.º ano desta escola, que escolheu a dança como atividade do Projet.Ar.te.
A música ecoa nas colunas. Os alunos, espalhados pela sala, estão virados para professora e vão repetindo os gestos e os movimentos de dança que a monitora vai fazendo. “Para a esquerda, vá, agora para a direita. Isso… Esforço, esforço”, pede. Os mais disciplinados tentam cumprir, outros preferem olhar para trás, para os intrusos que invadiram a sala.
Carla Fachadas, coordenada da escola, conta à NiA que “eles adoram a dança para libertar energias”.
“Estão o dia todo na escola, concentrados no que estão a aprender e é bom poderem libertar esta energia. É quase um momento de catarse”, afirma, acrescentando que “o que interessa é desenvolver nas crianças a capacidade motora e a expressão corporal”.
Abilena e Guilherme estão envergonhados. Foram os escolhidos para falar connosco. São simpáticos, mas parcos em palavras. “Gosto muito. Até quando estamos a sofrer”, diz Guilherme, numa alusão às instruções da professora. A amiga lembra que no ano passado tiveram música e que também gostou.
“Estar na escola é bom. Fazemos amigos, aprendemos coisa importantes e podemos brincar muito”, diz.
Carregue na galeria para conhecer as atividades que são realizadas nas escolas aderentes ao projeto.