Tem a vida em pausa, saudades de casa e da sua “pequena princesa”, com apenas três anos. Os três cancros contra os quais luta podem ser uma sentença, mas Rute Ricardo não quer pensar nisso. Acredita que vai vencer e agarra-se às filhas para fintar o drama em que mergulhou. Pelo meio, conheceu um “anjo”, Rosy, a dona do café Brasil, na Amadora, também ela doente oncológica.
O cancro da mama de Rute foi descoberto em 2023, já num estádio avançado. “Fui trabalhar, sentia uma dor no peito, começou a sair sangue com um aspeto esquisito e mostrei à Rosy, que tem sido incrível desde o início deste processo.”
A amiga disse-lhe que tinha de marcar uma consulta o quanto antes. “Percebi que alguma coisa estava errada. Eu passei pelo mesmo, tenho essa experiência”, explica Rosy. A médica de família pediu a Rute alguns exames e enviou-a logo para o IPO. “Foi tudo muito rápido. Disseram-me que estava no estádio quatro, muito avançado.”
Rute faz uma pausa para alinhar pensamentos. Está deitada na cama 25 do segundo piso de um dos edifícios mais recentes do Instituto Português de Oncologia de Lisboa. No espaço, com uma ampla janela, há apenas mais uma cama, ocupada por uma paciente, que, de lenço na cabeça, está sentada numa poltrona a ler uma revista.
O quarto, pintado em tons de azul sereno, está impecavelmente limpo. Não há barulho, nem macas desordenadas nos corredores. Dir-se-ia que não estamos no Serviço Nacional de Saúde. Durante os 20 minutos que ali estamos, três enfermeiras e auxiliares visitam Rute, conversam e brincam com ela, dão-lhe força, numa atitude profilática e humanista.
Entrou ali a 28 de fevereiro deste ano e já não saiu. “Senti que me tinham tirado o tapete debaixo dos pés”, confessa à New in Amadora. Ainda por cima, porque, quando descobriu o cancro, Rute tinha acabado de ser mãe há menos de um ano. “A Vitória tem sido a minha grande força. Não há dia em que não pense nela, tenho muitas saudades da minha menina. É ela que me dá força para lutar. Quando estou mais em baixo, começo a ver fotografias dela no telemóvel”, garante.
Vitória está com Ana, a filha mais velha, já com 25 anos, e que também acaba de ser mãe. “Ela não pode fazer mais do que faz, porque agora tem de cuidar também da filha”, diz a paciente, que não tem companheiro e que conta com a forte amizade de Rosy Lima, a brasileira dona do Café Brasil, e dos seus clientes, que têm sido “inexcedíveis”.

Rosy está sentada do lado direito de Rute. Tem a sua mão direita pousada na mão de Rute e, com a esquerda, vai-lhe fazendo festas no rosto. Não esconde as lágrimas, porque a história da amiga fá-la reviver a luta que ainda hoje trava. De repente, os papéis invertem-se. “Tu és uma inspiração para mim, és uma guerreira, uma força da natureza. Essas lágrimas não fazem sentido. Eu vou conseguir, tal como tu também estás a conseguir”, diz-lhe Rute. A brasileira desvia a cara e balbucia: “São lágrimas de felicidade, de estar aqui contigo”.
Ganhar tempo é essencial nos cancros
Rute sabe que adiou demais a vinda ao médico, desvalorizou os sinais que o seu corpo lhe ia dando. Se tivesse feito a palpação na altura certa, teria ganhado tempo. Pouco depois da confirmação do diagnóstico, novos exames confirmaram que tinha um segundo carcinoma no fígado, com metástases do primeiro. “Mas esses dois, quer na mama, quer no fígado, estão estabilizados”, assegura a paciente.
O que mais preocupa os médicos, porém, é o terceiro, na coluna. “O cancro nos ossos é muito agressivo e o tumor está a comprimir-me a medula. É isso que me está a dificultar a mobilidade”, descreve, acrescentando que há dias em que “as dores são tantas” que não consegue levantar-se. “Hoje é um desses dias. Não consigo sair daqui.”
Hoje, Rute Ricardo reconhece que “pensava demasiado” no trabalho. “Era empregada de limpeza e sempre vivi muito para trabalhar, até porque o dinheiro faz falta e sou eu sozinha a pagar as contas.” A empresa onde fazia limpezas fica situada perto do Café Brasil.
“Ali todos me conhecem, porque ia lá beber café e comer aquele magnífico pão de queijo a sair do forno. Conheço este anjo há seis anos e ela move montanhas para me ajudar e para conseguir tudo o que quer”, diz, enquanto olha para a amiga Rosy, que continua a afagar-lhe a cara.
A onda de solidariedade
A empresária brasileira é a responsável pela onda de solidariedade que se gerou na Amadora, na freguesia da Falagueira-Venda Nova, em redor do caso de Rute. Fez cartazes, espalhou-os pela rua, fez publicações nas redes sociais do café e partilhou a história com a comunidade. “Tínhamos de fazer alguma coisa. A Rute precisa de uma cadeira de rodas especial, que é muito cara. Descobri uma em promoção num site espanhol de produtos de saúde e foi uma corrida contra o tempo, porque a campanha terminava uns dias depois”, relata à New in Amadora.
O apoio dos vizinhos, alguns dos quais nem conhecem pessoalmente Rute, ultrapassou as expetativas e a angariação de fundos permitiu a compra da cadeira, que deverá chegar esta semana a Portugal. “Não tinha aquele dinheiro, mas sou um bichinho muito orgulhoso, não gosto de pedir ajuda a ninguém. Gosto de ser eu a fazer as coisas. Se não tenho ou não posso, não faço. Mas a Rosy criou a recolha de fundos e comprou a cadeira. Só posso agradecer à comunidade da Amadora. Sou uma mulher de sorte”, afirma, comovida.
Neste momento, Rute não mexe as pernas. “Estava em casa, levantei-me para ir à casa de banho, e não aguentei, caí completamente desamparada no chão. Apesar de não mexer as pernas nem os pés, consigo senti-los. Os médicos dizem que isso é um sinal positivo. Mas não tenho força”, explica.
A cadeira de rodas que recebeu, mais a cama articulada, vão permitir um conforto maior. “Mesmo que não possa ficar autónoma em casa, sempre posso ir ao fim de semana, estou com a minha menina e depois volto, porque tenho de fazer os tratamentos aqui”, prevê.
Rute não esconde o medo da morte. “É inevitável não pensar nela. Todos sabemos que vamos morrer, mas se puder ficar cá mais tempo, quero ficar. Ainda por cima, com duas filhas, uma delas tão pequenina, e com uma neta bebé.”
Enche o peito de ar, respira fundo. “Os médicos dizem que tenho hipóteses, tudo depende da recuperação. Até se pode dar o milagre de recomeçar a andar de repente”, adianta.
Aconteça o que acontecer, Rosy vai continuar ao lado da amiga. “Ela precisa de mim e de todos. E quero agradecer a toda a gente, aos meus clientes e amigos, que continuam a enviar donativos, até porque a Rute vai continuar a precisar de ajuda para medicamentos, tratamentos e outros acessórios para a sua condição.”
Para saber como ajudar, mande mensagem por WhatsApp (930 490 859) para a Rosy.
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